A resposta directa à sua pergunta é a seguinte: poderá usar-se o artigo na designação do topónimo Ucanha, ou seja, poderá escrever-se «a ponte da Ucanha».
Mas pretende certamente saber como se designam as localidades e porquê, pelo que agradeço a leitura da explicação que dou de seguida.
O assunto da utilização ou não de artigo na denominação das localidades (cidades, vilas, aldeias, povoações) já foi tratado aqui no Ciberdúvidas.1 Nesta denominação, há quatro aspectos a considerar.
1.º — A regra geral é a da não utilização de artigo a preceder os nomes das localidades. Exemplo: a cidade de Lisboa, em Lisboa, Lisboa é uma linda cidade; os estudantes de Coimbra, em Coimbra; aquela praça de Aveiro, em Aveiro; a ponta de Sagres, em Sagres; a imponência de Braga, em Braga; a beleza de Vila Real, em Vila Real.
2.º — Os nomes de localidades em que se usa o artigo (ou seja, as excepções) são os que se formaram de nomes comuns. Exemplo: a cidade do Porto, no Porto, o Porto é uma linda cidade (do nome comum porto); a cidade da Figueira da Foz, na Figueira da Foz (do nome comum figueira); aquela praça do Funchal, no Funchal (do nome comum funchal); a cidade da Guarda, na Guarda, a Guarda (do nome comum guarda).
Na sua remota origem, algo com aquele nome comum identificava o local que veio depois a tornar-se uma povoação, uma vila ou uma cidade.
3.º — No entanto, existem nomes de localidades formados de nomes comuns que seguem a regra geral, ou seja, a da omissão do artigo (exemplo: Figueira de Castelo Rodrigo), por motivos que têm que ver ou com a ausência ou esquecimento da ligação do termo a um substantivo comum ou com a tendência natural de se seguir a regra geral.
No entanto, aqueles topónimos que se usam com artigo, esses, provieram de substantivos comuns. Dito de outra forma: os nomes de localidades que se usam com artigo provieram de nomes comuns, mas nem todos os nomes de localidades que se podem associar a nomes comuns se usam com artigo.
4.º — Finalmente, interfere na denominação a vontade lídima do povo, dos naturais da localidade, naturalmente expressa pela autarquia, que, por portaria, estipula a designação oficial da localidade com ou sem artigo: e é esta a denominação que prevalece.
Analisemos, então, agora o topónimo Ucanha, que designa uma freguesia do concelho de Tarouca, do distrito de Viseu.
Trata-se de um topónimo estudado pelo insigne filólogo José Leite de Vasconcelos, filho da terra, que chegou à conclusão de que a forma antiga do nome, usada até ao século XVII, era Cucanha e que, nesse século, ora se escrevia Cucanha, ora já Ucanha: o topónimo Cucanha evoluiu para Ucanha por dissimilação e eufonia. O filólogo refere, ainda, que Cucanha, substantivo próprio, proviria do substantivo comum cucanha, que, em português antigo, teria significado «casebre».
Na generalidade dos textos antigos que consultei, é utilizado o artigo quer em Cucanha quer em Ucanha: o próprio José Leite de Vasconcelos escreve, na Revista Lusitana (Lisboa, 1931), «eu nasci na Cucanha». A utilização do artigo dever-se-á certamente à consciência da proveniência do vocábulo, seguindo a regra da utilização do artigo quando o nome deriva de um substantivo comum (aquele local começou por ser apelidado por um nome que designava algo que lhe era peculiar ou o caracterizava ou identificava).
No entanto, nos registos actuais, o topónimo Ucanha surge normalmente sem o artigo: tratar-se-á da evolução natural que consiste em seguir a regra geral, do esquecimento da origem remota da palavra ou de determinação legal por portaria.
Assim, se me pergunta se se deverá empregar o artigo com o topónimo Ucanha, respondo-lhe que sim, dada a origem do termo e o registo com artigo em muitos textos antigos, mas não poderei dizer que é incorrecta a omissão do artigo, não só porque já se perdeu a ligação entre o vocábulo e o seu significado antigo, como tal significa uma evolução natural para a regra geral. E, se por portaria ou decisão institucional, estiver estabelecido que o nome da localidade não tem artigo, então, nada mais há a dizer.
1 Vejam-se as seguintes respostas de Maria Regina Rocha: Uso do artigo definido com Maputo (Moçambique), de 19/12/2008; O género dos nomes de cidades (Maputo), de 19/12/2008, O artigo o ou a antes dos nomes de clubes, de 5/12/2008.