O uso do artigo definido com topónimos sujeita-se muitas vezes ao critério da atribuição ao léxico comum (ver Textos Relacionados). Por outras palavras, se o topónimo tiver origem num substantivo comum, é previsível que a sua ocorrência tenha associado o artigo definido:
(1) Porto – «o Porto» (de porto, nome comum)
(2) Costa Nova – «a Costa Nova» (de costa, nome comum)
Sobre (1) e (2), dir-se-á ainda que são topónimos transparentes, isto é, topónimos interpretáveis por palavras do léxico comum, de uso mais ou menos corrente1. Como sempre, deve recordar-se também que há exceções quanto ao critério enunciado, pois há topónimos com origem em nomes comuns sem artigo definido associado, como acontece com os compostos de vila e castelo: «vivo em Vila Real de Santo António», «moro em Castelo de Paiva».
Examinando os casos em apreço, é de considerar que Arruda tem artigo definido, porque resulta da conversão do substantivo comum arruda (aparentemente, um fitónimo, isto é, o nome de uma planta) em nome próprio (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Daí que, sem surpresa, o uso corrente inclua o artigo definido: «comprei pão da Arruda».
Quanto a Calhandriz, como é pouco ou nada clara a sua relação com o vocabulário comum, diz-se que é um topónimo opaco – cujo significado não é interpretável pelo de um nome comum –, e em tal caso o que se observa é o nome empregar-se sem artigo definido. Sendo assim, «vinho da Calhandriz» seria uma anomalia ou incorreção, mas não é isto verdade. Com efeito, há que ter em atenção dois fatores que condicionam o critério geralmente adotado para uso toponímico do artigo definido:
– O uso do topónimo no local onde se situa e a história do seu registo, aspetos que têm sido considerados mesmo na fixação oficial de certos topónimos: diz-se «a Covilhã», com artigo, muito embora Covilhã não se identifique com um substantivo comum registado com essa forma em português, o que poderá explicar «(o vinho d)a Calhandriz»;
– O facto de as denominações oficiais dos concelhos e das freguesias levarem muitas vezes à omissão dos artigos definidos que acompanham muitos topónimos transparentes, chegando a atribuir-se à falta de artigo definido certo grau de formalidade que os topónimos com artigo definido não parecem marcar («o Porto» é uma grande exceção). Não admira, pois, que «o pão da Arruda» se fabrique no território do «município de Arruda dos Vinhos»
Em suma, a ausência de artigo definido confere aos topónimos uma certa formalidade, mesmo quando seria de justificar a associação de tal determinante. Há, no entanto, várias exceções em vários sentidos, o que se entende, visto a toponímia constituir um domínio onomástico extremamente permeável ao contexto extralinguístico histórico e social.
1 Observe-se que incremento da urbanização desde o século XIX leva à perda de léxico relacionado com os mundos rural e natural, com o resultado de os topónimos com origem nesses termos perderem transparência. Casos como Almoinha ou Almuinha, um topónimo com alguma frequência em Portugal, podem hoje não ter sentido evidente para muitos falantes, que ignoram que o nome comum almuinha, um arabismo que era frequente no português medieval e ainda os dicionários contemporâneos registam com os significados de «pequena propriedade rústica; horta murada» e «propriedade suburbana« (Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa).