A colocação do pronome não está relacionada com o facto de o mesmo ser reflexo ou recíproco, pois as indicações dos linguistas e dos gramáticos englobam todos os pronomes átonos – em que se incluem os pronomes reflexos e os recíprocos se, si e consigo. Embora tal questão não seja determinante para a colocação do pronome na frase, como é colocada a dúvida sobre a sua classificação, basta, para isso, lembrarmo-nos de que um pronome recíproco se distingue do reflexo pela particularidade de «exprimir a reciprocidade da acção, isto é, [de] indicar que a acção é mútua entre dois ou mais indivíduos» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 282), acção esta que se verifica na frase apresentada, em que se coloca a questão sobre uma data em que os três indivíduos se encontrem entre si, uns aos outros. Estamos, assim, perante um pronome recíproco.
Embora os usemos, frequentemente, arbitrariamente e, na maioria das vezes, inconscientemente, a colocação dos pronomes átonos é considerada «um dos pontos mais complicados da sintaxe portuguesa» (Pilar Vásquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Edições 70, 1971, p. 493), pois, embora a sua posição lógica seja a ênclise (depois do verbo) – a posição normal do objecto directo ou indirecto, as funções dos pronomes átonos –, «há casos em que, na língua culta, se evita ou se pode evitar essa colocação» (Cunha e Cintra, ob. cit., p. 310), optando-se pela próclise (antes do verbo).
Assim, apesar de alguns gramáticos e linguistas apresentarem algumas regras para as situações de próclise do pronome, pela forma como as colocam, depreende-se de que estão conscientes de que são casos em que não há «exactidão absoluta» (Gramática da Língua Portuguesa, ob. cit.), evitando o risco da assertividade e usando cautelosamente expressões do tipo «é […]preferida a próclise» (Cunha e Cintra, ob. cit., p. 311) ou «a língua portuguesa tende à próclise pronominal» (idem, p. 313).
Decerto devido à sua complexidade, este é um dos casos em que há diferenças entre o português europeu e o do Brasil, pois neste país «não só precedem muitas vezes o verbo em casos que tal não aconteceria em Portugal, ou os pospõem a ele noutros em que, em Portugal, seria obrigatória a posição proclítica, como chegam a aparecer em início de frase, numa posição em que, devido à sua atonicidade, se tornariam quase impronunciáveis para um falante luso». (Cuesta e Luz, ob. cit., p. 497) Segundo os linguistas Cunha e Cintra, essa colocação dos pronomes no Brasil «encontra, em alguns casos, similar na língua medieval e clássica.» (ob. cit., p. 317).
Incidindo a frase apresentada pela consulente – «Daqui a quantos dias se voltarão a encontrar novamente os três?» – sobre a realidade do português europeu e tratando-se de um caso específico de frase com uma locução verbal, «em que o verbo principal está no infinitivo ou no gerúndio» (Cunha e Cintra, ob. cit., p. 314), poder-se-ia pensar que a sua construção não estaria muito correcta, uma vez que é a «ênclise ao infinitivo ou ao gerúndio» (idem) que está prevista nas locuções adverbiais. Seguindo-se este pressuposto, poder-se-ia partir do princípio de que a frase correcta seria a que a consulente propôs – «voltarão a encontrar-se».
No entanto, na frase «Daqui a quantos dias se voltarão a encontrar novamente os três?», estão presentes situações que pressupõem a próclise (colocação do pronome) ao verbo, o que assegura, assim, a sua legitimidade:
a) a existência de um numeral no sujeito – « os três»;
b) o início da frase com a presença de um advérbio [na contracção de «de» + «aqui» = «daqui»] e, para além disso, este aparecer seguido de um pronome interrogativo – «quantos», sendo este último caso uma das «condições exigidas para a anteposição do pronome ao verbo auxiliar» (idem, p. 314).
De qualquer modo, penso que em nenhuma das propostas apresentadas se encontram casos de agramaticalidade, pois, como já foi dito, os próprios linguistas parecem ter dificuldades em distinguir o mais correcto do aceitável.
Por sua vez, penso que não deixa de ser oportuno lembrar que a ligação do pronome ao verbo principal, mas numa posição diferente da proposta pela consulente, é característica do português do Brasil e, também do «português falado nas repúblicas africanas, [em que se dá] a próclise ao verbo principal nas locuções verbais» (idem, p. 317), como se pode verificar através dos exemplos apresentados pelos linguistas citados, correspondendo o primeiro a uma frase interrogativa:
«Será que o pai não se ia dar ao respeito?» (Autran Dourado, SA, 68)
«Outro teria se metido no meio do povo, teria terminado com aquela miséria, nem sangue.» (José Lins do Rego, U, 222)
«Tudo ia se escurecendo» (José Lins do Rego, U, 338)