DÚVIDAS

O uso do gerúndio simples e composto

Na seguinte passagem de um artigo sobre o terramoto que aconteceu no ano passado no Nepal, lê-se:

«Os dois amigos chegaram ao Nepal na noite de 24 de abril, após uma longa viagem de mochila às costas por vários países asiáticos. A aventura, julgavam, estava perto do fim. Quinze horas depois de aterrarem, o chão tremeu, matando quase nove mil pessoas.»

Não será mais correto utilizar aqui o gerúndio na sua forma composta, já que a morte das pessoas foi consequência do tremor de terra («o chão tremeu, tendo matado quase nove mil pessoas»)?

Resposta

Estando o estado de coisas descrito pela oração gerundiva («matando quase nove mil pessoas») sobreposto ou sendo ele posterior ao estado de coisas referido pela subordinante e se a oração gerundiva aparece depois da principal, como acontece no caso apresentado, é possível empregar tanto o gerúndio simples como o gerúndio composto. Esta possibilidade vem descrita na Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 550/551):

«Consideremos agora a ocorrência das orações gerundivas em posição final. Quando há sobreposição temporal [...], a leitura mantém-se, independentemente da ordem, como ilustram os exemplos (89):

(89) a. A atleta percorreu as ruas da cidade, levando a tocha olímpica.

       b. A Maria faltou ao trabalho, estando doente.

      c. A Maria teve uma cãibra, nadando no lago.

Quando não há sobreposição, a relação temporal inverte-se relativamente aos casos de (88); ou seja, a interpretação é a de posterioridade temporal relativamente ao tempo da reação principal, como se ilustra em (90):

(90) a. O diretor assinou o documento, saindo do banco pouco depois.

      b. A Maria desmaiou, batendo com a cabeça na esquina da porta.

      c. A Joana subiu as escadas, entrando de rompante no quarto do filho. [...]»

O confronto da frase em questão com os exemplos da citação permite inferir que, dado a oração gerundiva em apreço marcar a consequência do evento referido pela principal, há uma relação de posterioridade que legitimamente se associa ao gerúndio simples. Tal não exclui, porém, a possibilidade de uso do gerúndio composto, como se pode verificar pela mesma fonte:

«[...] quando a oração gerundiva segue a oração principal, a interpretação pode ser quer de anterioridade quer de posterioridade, dependendo de factores semânticos e pragmáticos:

(92) a. A Maria desmaiou, tendo batido com a cabeça na esquina.

[...] a interpretação pragmaticamente mais natural de (92a) é aquela em que a pancada é posterior ao desmaio [...].»

Nestas citações da Gramática do Português, não se diz que o uso de um gerúndio ou de outro seja impossível e tido por incorreto pelos falantes. Ou seja, depois de uma oração cujo verbo se encontre no pretérito perfeito, é possível empregar quer o gerúndio simples quer o composto, se se pretender marcar um evento posterior ao que é representado pela oração principal.

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