DÚVIDAS

Palavras arcaicas no português do Brasil

Tiro minhas dúvidas nesta página. Estou em São Paulo, Brasil. Nasci no interior do estado de São Paulo, portanto, muitas palavras usadas pelo povo de minha região trazem ainda usos arcaicos, que estão paradas no tempo. Acho essa particularidade fundamental para uma língua.

Parabéns pelos trabalhos.

Resposta

Penso que o consulente se quer referir à importância dos arcaísmos no português do Brasil. Obras descritivas têm atribuído aos dialectos brasileiros certos traços conservadores que abrangem o léxico. Pilar Vázquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, na sua Gramática da Língua Portuguesa (tradução portuguesa, Lisboa, Edições 70, 1980, pág. 123), comentam esse aspecto:

«Como todas as línguas transportadas, o português do Brasil oferece larga percentagem de traços arcaicos. Dentro do campo do vocabulário, o número de palavras esquecidas na antiga metrópole e que se mantêm vivas no Brasil é extraordinário. Citemos apenas algumas: faceiro no sentido de "petimetre" [= "peralta"]; físico com o sentido de "médico"; assistir por "residir", "habitar"; reinar na acepção de "fazer travessuras"; função por "baile"; aéreo no sentido de "perplexo", etc.»

Mais adiante, afirmam as mesmas autoras, quando discorrem sobre a história do português do Brasil (idem, págs. 220-221):

«E são numerosos os vocábulos arcaicos — alguns pertencentes inclusivamente ao léxico fundamental do idioma — que persistem na fala das classes humildes da sociedade brasileira como na da portuguesa; despois por depois, entonce por então, polo, pola por pelo, pela, prumode (< loc. arc. "por amor de") "a fim de", fruita, luita por fruta, luta, esprito por espírito, cramor por clamor, menhã por manhã, etc.

«Muitas vezes é o antigo significado de uma palavra o que se conserva no Brasil, como vimos, ao tratar da língua literária brasileira.»

Sublinhe-se a referência ao facto de o português brasileiro ter tirado partido desse arcaísmo regional, o que se comprova pela reinvenção linguística da escrita de Guimarães Rosa. No entanto, sabendo que a obra acabada de citar já é de 1971, data da primeira edição em espanhol, não é de admirar que muitos arcaísmos tenham entretanto desaparecido. Além disso, parece que faltam estudos exaustivos, capazes de dar conta da verdadeira dimensão dos arcaísmos nos brasileirismos — é a advertência de um estudo de Aparecida Negri Esquerdo ["Achegas para a Discussão de Regionalismos no Português do Brasil, Alfa, São Paulo, 50 (2): 9-24, 2006]:

«A [...] respeito [dos arcaísmos], é ilustrativa a posição de Leão (1961) quando, ao tratar dos arcaísmos nos falares regionais, já apontava a falta de um estudo exaustivo acerca dessa questão, o que, segundo a estudiosa, só seria possível dentro de “minuciosas pesquisas dialetológicas”. Complementa a autora: “enquanto não se medirem os fatos para a elaboração de um atlas linguístico brasileiro, disporemos apenas de informações fragmentárias e imprecisas, relativas aos arcaísmos da língua corrente, e à sua penetração na língua literária” (LEÃO, 1961, p.14). Essa ponderação da filóloga aplica-se também à questão dos regionalismos.»1

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço e retribuo os votos de bom trabalho.

1 Leão, 1961 = A. V. Leão, História de Palavras, Belo Horizonte, Imprensa da Universidade de Minas Gerais, 1961.

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