DÚVIDAS

Os brasileiros falam à "moda do Porto"

Eu sou um portuense que já viveu em Coimbra e Lisboa. Agora vivo em Londrina, no Brasil.

Se é verdade que o povo da classe baixa de Coimbra fala surpreendentemente com "b", não deixa de ser verdade que a classe culta de Coimbra fala muito parecido com aquilo que nós temos como padrão.

A classe alta do Porto e de Lisboa precisa de fazer muito esforço para falar "corretamente". Mande um lisboeta dizer «O rio riu para mim» ou mande um portuense dizer «A imagem e o som são excelentes» e logo verá o que pretendo dizer.

Agora, aquilo que me surpreendeu é que os brasileiros falam à "moda do Porto".

Desde pequeno, me tinha dado conta de que o "ão" no Porto tinha sons completamente diferentes conforme as palavras, assim como o "om": "naum" para "não"; "bão" para "bom"; "mom" para "mão", etc.

Acontece que, quando cheguei ao Brasil, reparei que as pessoas também seguiam essa linha. A coisa acontece num estilo totalmente diferente, só uma pessoa com o "bichinho" da língua nota nisso.

Contudo, pensei para mim: «sou um bairrista incurável.»

Por razões profissionais comecei a usar muito o MSN em atendimento técnico, etc. Para surpresa minha, as pessoas não só falam como escrevem consciente e irreverentemente "naum" para "não",
"bão" para "bom", etc.

Inclusivamente já há imagens animadas associadas a essa maneira errada para escrever...

A minha pergunta é existe alguma explicação linguística para isso?

Obrigado!

Resposta

Imagino que a sua preocupação seja saber se há explicação para o facto de haver pronúncias diferentes em espaços geográficos diferentes, ainda que sujeitos a uma mesma norma, ao mesmo tempo que espaços geográficos diferentes e sujeitos a normas diferentes apresentam semelhanças.
Importa desde já salientar que qualquer resposta dada neste espaço será sempre, necessariamente, breve e incompleta, dada a dimensão e a complexidade do tema, não esgotável, estou certa, numa tese de doutoramento.

A escrita e as suas convenções uniformes e veiculadas pelo sistema de ensino diluem, no papel, o que na oralidade continua (felizmente!) a verificar-se: a diversidade na pronúncia.

Esta variedade, em Portugal, prende-se com as características acumuladas ao longo dos tempos numa dada região e que são fruto das línguas que aí se falavam antes da generalização do latim e antes da (ou durante a) transformação deste na língua portuguesa. As línguas em presença e a sua interacção fazem com que o resultado final – ou seja: a língua que se vai harmonizando, uniformizando e desenvolvendo – seja diferente de região para região, havendo, todavia, semelhanças que permitem que todos nos estendamos e que possa dizer-se que falamos a mesma língua.

Da mesma forma que a evolução do latim para o português foi marcada pelo modo como em cada região se falava, também o crescimento do português no Brasil sofreu a influência das língua nativas, por um lado, e das comunidades portuguesas que povoaram cada região, bem como de todas as comunidades que, posteriormente, se fixaram aí.

Não conheço as diferentes pronúncias características do português do Brasil, mas, pelo quem me é dado saber, há, em muitos locais, pronúncias que em Portugal são mais características de uma ou de outra região, o que poderá explicar-se pela presença mais marcante de colonos dessas regiões no novo espaço linguístico. A esse aspecto há, sempre, que associar as novas oportunidades de evolução da língua, provocadas pelas características globais da comunidade que interage para, numa dada região, fazer crescer e mudar a sua língua.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa