Na frase apresentada, o pronome relativo que não pode ser substituído pelo pronome relativo quem.
Para compreendermos a sintaxe da frase, é necessário começar por assinalar que no caso em apreço estamos perante uma construção de foco (cf. Peres e Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, pp. 467-469), também designada clivada (cf. Mira Mateus et. al., Gramática da Língua Portuguesa, pp. 685-694). Estas construções permitem colocar em destaque um determinado constituinte da frase, como se observa em (1):
(1) «Foi este livro que o João leu ontem.»
Nesta frase, dá-se realce ao constituinte «este livro» por meio de uma construção introduzida por uma forma do verbo ser e completada por uma oração introduzida pelo pronome relativo que. Sem estrutura de realce, a frase (1) corresponde a:
(2) «O João leu este livro ontem.»
Esta mesma frase poderia dar origem a outras com diferentes construções de foco:
(3) «Foi o João que leu o livro ontem.»
(4) «Foi ontem que o João leu o livro.»
A frase retirada da música de Rui Veloso, «Era só a ti que eu mais queria / Ao meu lado no concerto nesse dia», apresenta também uma estrutura de foco que realça o constituinte tu e que corresponde à seguinte construção sem foco (que simplificamos para facilidade de análise):
(5) «Eu queria-te só a ti.»
Nesta frase simples, recorre-se ao redobro do pronome te através do constituinte a ti. O redobro é uma construção de reforço do pronome clítico1 que surge em enunciados como:
(6) «Ele deu-lhes a elas um livro.»
(7) «Ele viu-me a mim na feira.»
Trata-se, portanto, de uma construção que é introduzida pela preposição a e que permite realçar um pronome com a função sintática de complemento direto ou indireto.
O aspeto central da questão colocada pelo consulente está relacionado com a possibilidade de substituição do pronome relativo que pelo pronome relativo quem. Para equacionar esta possibilidade, convém recordar que o pronome quem tem algumas restrições de uso:
(i) utiliza-se apenas com antecedentes de natureza humana, razão pela qual é agramatical a frase «*O livro a quem li.»;
(ii) utiliza-se apenas antecedido de preposição, como em «O amigo a quem dediquei o texto agradeceu-me.»;
(iii) não pode ter a função de sujeito ou de complemento direto, pelo que são agramaticais as frases «*Chegou o rapaz quem fez este trabalho.» ou «*Chegou o rapaz quem conheci.»
(iv) usa-se como predicativo em construções clivadas: «O João é quem escreveu o livro.» ou «Tu és quem eu queria encontrar.»
No caso que aqui consideramos, embora o relativo quem se refira a um ser humano, não é introduzido por preposição e tem a função de complemento direto. Acresce que a oração relativa não desempenha a função de predicativo do sujeito, embora integre uma construção clivada. Pelas razões apresentadas, na frase apresentada pelo consulente, não é possível substituir o pronome relativo que por quem.
1. Cfr. Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa.5.ª ed.,Lisboa, Caminho, 2003, pp. 832-833.