A colocação dos pronomes clíticos (átonos, na tradição normativa) na língua portuguesa é, como se sabe, uma das áreas mais complexas – e que mais dúvidas suscita – ao nível da análise linguística.
Como Mateus e outros (Gramática da Língua Portuguesa, pp. 829-830) salientam, «[...] os pronomes clíticos, diferentemente das preposições e dos artigos, mesmo quando designam um complemento do verbo, não ocorrem na posição canónica característica desse complemento, mas antes em adjacência estrita ao verbo»:
Ex.:
(1.a) Eles enviaram-lhes todas as informações pela Internet;
(1.b) Eles enviaram todas as informações [aos que as solicitaram] pela Internet;
Por outro lado, e apesar de, no contexto do português de Portugal – ao contrário do que acontece ao nível do português do Brasil –, a posição mais comum dos pronomes ser a enclítica (isto é, à direita do verbo) – ex.: «O João emprestou-me o carro» –, a verdade é que, quando, nos enunciados, se verifica a presença dos chamados atratores de clítico ou proclisadores(1) (= atratores de próclise), estes obrigam os clíticos a localizar-se à esquerda do verbo, ex. (* = agramatical):
(2.a) Ele só os comprou porque estavam em promoção;
(2.b) * Ele só comprou-os porque estavam em promoção.
Ora, o facto de os clíticos não ocuparem as posições consideradas canónicas (quer por acoplagem ao verbo – 1.a. –, quer por deslocalização proclítica – 2.a.), no português de Portugal, geralmente destinadas aos complementos do verbo que estes representam, leva a que essas posições possam, opcionalmente, ser preenchidas por material lexical. Nestes casos, estamos perante uma construção de redobro de clítico (Mateus e outros, p. 832), ex.:
(3) Encontrámo-las a elas na feira do livro;
(4) Nós conhecemo-nos a nós próprios melhor do que ninguém.
Assim, parece-me que é exatamente o processo de redobro de clítico que se verifica nos enunciados que a cara consulente aqui apresenta, com as seguintes precisões que se impõem:
1 – No caso da primeira frase sugerida, «a mim ninguém me fala» (cf. «ninguém me fala a mim»), para além do redobro de clítico, podemos igualmente detetar um processo de topicalização («emprego enfático de pronomes», numa nomenclatura de cariz mais normativo – Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 304), com o objetivo de dar realce aos objetos direto e indireto;
2 – No que diz respeito ao segundo enunciado proposto, «já te falei-te a ti», muito francamente, devo dizer que nunca vi ou ouvi tal formulação, que é naturalmente agramatical. Quando muito, poder-se-ia dizer (com a utilização do redobro de clítico) «já te falei a ti».
Em conclusão, e respondendo de forma muito direta à questão apresentada pela consulente, sim, estão certos, ressalvando as observações feitas.
(1) São considerados proclisadores, por Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa (pp. 847 e seguintes), por exemplo, entre outros, os chamados operadores de negação (não, nunca, sem, ninguém, nada, nenhum/a, algum/a, nada), os advérbios só, apenas, também, sempre, talvez, oxalá, já, ainda, e alguns quantificadores (qualquer, todos, ambos, alguém, algo, bastantes, poucos).