DÚVIDAS

As funções sintáticas de quem II

Podiam esclarecer se a resposta dada em "O relativo quem e a preposição a" está em contraste com o que já se tinha dito na resposta "O emprego dos relativos que e quem" (26/09/2018, ponto iii), no qual se diz que «quem não pode ter a função de sujeito, nem complemento direito»?

Segundo o primeiro documento, quem pode ter qualquer destas funções, como podemos ver nos exemplos 4 e 5 ali.

Como é que é possível que a frase «Sei quem a Rita encontrou no cinema» esteja correta, enquanto a frase «Chegou o rapaz quem conheci» é gramatical?

Será forma correta se removermos «o rapaz» e dissermos «Chegou quem conheci»?

Resposta

As respostas dadas às duas perguntas não entram em contradição. Para compreender o que é afirmado em cada uma delas, é importante distinguir dois contextos de ocorrência do pronome relativo quem. Este pode, por um lado, surgir em oração subordinadas relativas substantivas. Estas orações caracterizam-se pelo facto de o pronome relativo não ter antecedente expresso. É o que acontece em (1):

(1) «Quem tudo quer tudo perde.»

Por outro lado, o relativo quem pode também surgir em orações subordinadas relativas adjetivas, que se distinguem das anteriores pelo facto de o pronome relativo ter um antecedente. É o que se verifica em (2), onde se sublinha o antecedente:

(2) «Falei com o funcionário a quem pediste um favor.»

São estes dois contextos distintos que criam condições para o relativo quem exercer funções sintáticas distintas.

Assim, quando surge em orações subordinadas relativas substantivas, não tendo, portanto, qualquer antecedente expresso, o relativo quem pode desempenhar diferentes funções dentro da sua oração:

(3) «Quem me conhece sabe do que falo.» (quem = sujeito)

(4) «Reconheci quem encontraste na festa.» (quem = complemento direto)

(5) «Disseram-me a quem telefonaste.» (a quem = complemento indireto)

(6) «Descobri de quem fala o livro.» (de quem = complemento oblíquo)

(7) «Sei quem tu és.» (quem = predicativo do sujeito)                  

Porém, nos contextos em que o relativo quem introduz orações subordinadas relativas adjetivas, ou seja, orações que têm um antecedente expresso, este tem algumas limitações: só pode surgir em frases com o antecedente com o traço semântico [+humano], que refira, portanto, pessoas; o pronome surge antecedido de preposição e desempenha as funções de complemento indireto ou de complemento oblíquo:

(8) «Encontrei o funcionário a quem pedi ajuda.» (a quem = complemento indireto)

(9) «Encontrei o funcionário de quem me falaste.» (de quem = complemento oblíquo)

Perante o que ficou dito, a frase aqui apresentada em (10) está correta porque nela o pronome relativo integra uma oração subordinada relativa substantiva, não tendo, desta forma, antecedente:

(10) «Sei quem a Rita encontrou no cinema.»

Neste caso, o relativo quem desempenha a função sintática de complemento direto.

Já a frase transcrita em (11) está incorreta porque o pronome relativo quem integra uma oração subordinada relativa adjetiva, ou seja, com antecedente expresso.

(11) «*Chegou o rapaz quem conheci.»

Como ficou dito, com orações adjetivas, o pronome relativo terá de surgir introduzido por preposição e apenas nas funções sintáticas de complemento indireto ou complemento oblíquo. Nesta frase, o pronome quem pode ser substituído pelo pronome relativo que, o qual tem capacidade de surgir em contextos sintáticos mais diversificados:

(12) «Chegou o rapaz que conheci.»

Disponha sempre!

 

*indica a agramaticalidade da frase.

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