DÚVIDAS

«Faltar alguma coisa para...»

Frases a ter em conta:

(1) Faltavam alguns dias para a Ana casar.

(2) Só lhe falta ser benzida para que a ponham num altar.

Vi, num trabalho em linha, os constituintes «alguns dias» (frase (1)) e «ser benzida» (frase (2)) classificados como «complemento direto». Não serão antes o «sujeito» do verbo «faltar»?

No mesmo texto, classificava-se como subordinadas adverbiais finais as orações introduzidas por «para», nas frases acima transcritas. Afigura-se-me equívoca esta classificação, porque:

1. as orações iniciadas por «para» não me parecem ser modificadores da oração subordinante;

2. é o verbo «faltar» que rege a preposição «para» (à semelhança de esforçar-se para),.

As orações «para a Ana casar» (frase 1)) e «para que a ponham num altar» (frase 2)) não são antes subordinadas substantivas completivas, com a função de complemento oblíquo?

Parabéns pelo excelente serviço público, que é o vosso trabalho no Ciberdúvidas.

Obrigado. AHV

Resposta

Os constituintes «alguns dias» e «ser benzida» desempenham a função de sujeito.

O verbo faltar é um verbo pessoal, ou seja, constrói-se com sujeito, que, no caso das frases apresentadas, está expresso. Para além disso, é um verbo transitivo indireto, o que significa que não se constrói com complemento direto, mas sim com complemento indireto. Assim, na frase (1), o sujeito é «alguns dias», pelo que o verbo deve concordar com o sujeito flexionando na 3.ª pessoa do plural:

(1) «Faltavam alguns dias para a Ana casar.»

Na segunda frase, o sujeito é o verbo na forma passiva «ser benzida», pelo que o verbo deve flexionar na 3.ª pessoa do singular:

(2) «Só lhe falta ser benzida para que a ponham num altar.

No que respeita à classificação das orações não finitas que surgem em cada frase, relativamente à segunda frase apresentada pelo consulente, verificamos que se estabelece uma relação de finalidade entre a oração subordinante e a subordinada («ser benzida» terá como fim a colocação no altar), pelo que a oração «para que a ponham num altar» é subordinada adverbial final.

No caso da primeira frase, estamos perante uma oração reduzida de infinitivo1, introduzida pela preposição para. Estas orações são equivalentes a orações introduzidas pela locução conjuncional com o mesmo valor (uma oração desdobrada). Neste caso, a frase apresentada é equivalente a (5):

(5) «Faltavam alguns dias para que a Ana casasse.»

Bechara apresenta como exemplo de oração subordinada adverbial final a seguinte frase:

(5) «Falta pouco para que isto suceda.»

que ilustra uma finalidade não de um facto («de re»), mas do que é dito ou pensado («de dicto»). Julgo que, na situação em análise, estamos perante um caso similar, pelo que considero que a oração «para a Ana casar» é uma oração adverbial final (reduzida de infinitivo).

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as estimulantes palavras que nos endereça.

Disponha sempre!

 

*indica a agramaticalidade da frase.

1. Segue-se o conceito de Bechara que considera oração reduzida aquela que é constituída por uma forma nominal do verbo, sendo dotada de autonomia sintática e passível de ser substituída por uma oração desdobrada. (cf. Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Nova Fronteira, p. 422)

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