DÚVIDAS

Contrafactual, pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo e oração concessiva

Gostaria de pedir mais informação relativamente ao excerto (que transcrevo) da seguinte resposta:

«A consulente apresenta também um conjunto de frases que incluem a estrutura «por mais que», que se pode considerar entre as introdutoras de orações concessivas. Neste caso particular, são apresentados dois tipos de concessivas: as factuais, como em (19) ou (29) , que apresentam o imperfeito ou o pretérito perfeito do conjuntivo na subordinada e o pretérito perfeito na subordinante: (19) "Por maiores que fossem os problemas, ele não desistiu." (20) "Por maiores que tenham sido os problemas, ele não desistiu". Já a frase que apresenta o mais-que-perfeito do conjuntivo é incorreta, porque o recurso ao mais-que-perfeito do conjuntivo na subordinada aponta para um valor contrafactual que exigiria o uso do mais-que-perfeito composto do indicativo ou o condicional na subordinante: (21) "*Por maiores que tivessem sido os problemas, ele não desistiu."»

Gostaria de saber a que se deve o valor contrafactual de «Por maiores que tivessem sido os problemas». Surge-me esta dúvida porque, segundo percebo, o mais-que-perfeito do conjuntivo pode ser usado em concessivas factuais.

Ex: Embora o tivesse visto, não o cumprimentou.

e a estrutura «por maiores que» também, tal como o demonstra a frase (20) da transcrição.

Sendo assim, é esta combinação concreta da estrutura «Por mais que»' com o mais-que-perfeito do conjuntivo que cria o valor contrafactual?

Poderiam indicar-me, por favor, outras estruturas que, juntamente com o mais-que-perfeito composto, criam este valor contrafactual?

Por outro lado, o imperfeito do conjuntivo admitiria, também, uma leitura contrafactual, caso se usasse o condicional ou o imperfeito do indicativo na subordinante?

Ex: Por maiores que fossem os problemas, ele não desistiria/desistia.

É possível afirmar-se que o imperfeito do conjuntivo tem, em geral, valor contrafactual nos mesmos casos em que o mais-que-perfeito do conjuntivo o tem?

Muito obrigado pelo serviço que o Ciberdúvidas presta, ao qual recorro frequentemente.

Resposta

Antes de mais, importa referir que a resposta citada na pergunta do consulente se inscreve num quadro geral do uso do conjuntivo em orações subordinadas, pelo que aí se apontam traços gerais do uso deste modo e dos respetivos tempos, procurando identificar valores gerais e distintivos entre tempos e modos. 

Relativamente à questão relacionada com a frase aqui apresentada em (1)

(1)   «Por maiores que tivessem sido os problemas, ele não desistiu.»

Cumpre esclarecer, antes de mais, que a frase está a ser considerada sem qualquer contexto que possa alterar o seu valor de base, o que é um fator determinante uma vez que os valores das orações concessivas podem ser condicionados «pelo tempo e modo do verbo da oração subordinada e da oração principal, pela classe aspetual do predicado da oração subordinada e por fatores pragmáticos» (Lobo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2016)

Na frase apresentada em (1), o verbo da oração subordinante encontra-se no pretérito perfeito do indicativo, o que aponta para uma situação apresentada como factual. No entanto, o verbo da oração subordinada surge no pretérito mais-que-perfeito do modo conjuntivo, apontado preferencialmente para uma situação que não é apresentada como verdadeira (que poderá ser falsa ou hipotética), como se verifica pela hipótese de negação: «por maiores que tivessem sido os problemas (mas não foram)». Assim, para resolver este conflito de valores, poderemos optar por duas possibilidades:

(i) O verbo da oração subordinada surge no pretérito perfeito do conjuntivo (ou no pretérito imperfeito do conjuntivo), sendo a frase apresentada com um valor que oscila entre o factual e o condicional-concessivo e localizada num intervalo de tempo passado:

(2) «Por maiores que tenham sido os problemas, ele não desistiu.»

(3) «Por maiores que fossem os problemas, ele não desistiu/desistia.»

(ii) o verbo da oração subordinante surge no condicional (simples ou composto), tendo a frase um valor contrafactual ou, eventualmente, condicional concessivo, situado no passado:

(4) «Por maiores que tivessem sido os problemas, ele não desistiria / teria desistido.»

Mesmo criando um contexto de factualidade, como na frase (5), o pretérito perfeito parece ser preferencial para traduzir uma factualidade do passado:

(5) «Os problemas foram inúmeros, mas por maiores que tenham sido, ele não desistiu.»

A construção «por maior que» favorece a interpretação condicional-concessiva, adaptando-se à apresentação de uma situação hipotética ou irreal. Por essa razão, distingue-se do valor da conjunção embora, que pode estar associada à apresentação de uma concessão real, como a que se transcreve em (6), na qual a relação entre os dois tempos verbais se estabelece sobretudo no plano do alinhamento temporal, sendo a situação da subordinada apresentada como factual e anterior à situação apresentada na subordinante:

(6) «Embora o tivesse visto, não o cumprimentou.»

Por fim, locuções como «mesmo que/se», «por muito que», «ainda que» conjugadas com determinados verbos no pretérito mais-que-perfeito poderão contribuir para o valor de contrafactualidade:

(7) «Mesmo que tivesse vindo a Lisboa, não falaria comigo.»

(8) «Por mais que tivesse tentado, não ganharia o prémio.»

(9) «Ainda que tivesse lido o livro, não teria percebido a mensagem.»

Convém, por fim, recordar que, no âmbito dos usos quotidianos, os valores temporais de base que se associam aos tempos/modos verbais e a própria relação entre os verbos da frase (a sequencialização de tempos) não são sempre respeitados, sendo possível criar outros valores por meio do contexto e da exploração de intenções pragmáticas.

Disponha sempre!

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