1. Tomemos em consideração dois planos de enunciação:
1.1. o plano a(c)tual: um eu se dirige directamente a um tu, com o ponto de referência temporal agora e com o ponto de referência espacial aqui.Formas do plano actual:
Eu-Tu
Indicador de tempo: agora, faço, fiz, farei
Indicador de lugar: aqui, ali, acolá, além
Indicador de obje(c)to mostrado: isto, isso, aquilo
Indicador de modo/circunstância: assim
1.2. o plano ina(c)tual: o ponto de referência temporal — naquele tempo — e espacial — lá, naquele lugar — está desligado da situação que dire(c)tamente envolve a intera(c)ção discursiva; é no plano ina(c)tual que são referenciadas situações passadas e que — é importante este aspe(c)to —estão desligadas da situação de enunciação:«A 11 de Setembro de 1973 deu-se o golpe de Estado no Chile, protagonizado por Pinochet.»
«Antes do 25 de Abril não se bebia Coca-Cola em Portugal.»
Formas do plano ina(c)tual:
Ele/eles
Indicador de tempo: então, nessa altura, fazia, fiz, teria feito
Indicador de lugar: lá, naquele espaço
Indicador de modo/circunstância: daquela maneira
2. Uma frase como a apresentada — «Agora, eu caminhava à beira-mar» — é uma frase que combina uma forma (deíctico) do plano a(c)tual — agora — com uma forma do plano ina(c)tual — caminhava (imperfeito). Apesar de não muito freq[ü]uente, esta combinação ocorre:
— nos jogos infantis:
«Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês...»
(Chico Buarque)
— no uso modal do imperfeito:
«Agora, tomava um cafezinho.»
— no discurso fi(c)cional:
— em discurso indirecto livre:
«Agora era tarde, tudo estava acabado.»
— na criação de transposição temporal:
«(...) agora tínhamos vinte anos (...)»
(António Lobo Antunes — A Ordem Natural das Coisas, p. 150, 1.ª ed.
«(...) e fui suficientemente imbecil para acreditar naquilo, acreditar no sorriso da esposa, acreditar na filha, e agora o soldado varava a escrivaninha do meu avô à coronhada» (idem, p. 139)
— na criação de narrador omnisciente:
«Ega recomeçou a passear lentamente pelo meio do largo. E agora, pouco a pouco, subia uma incredulidade contra esta catástrofe de dramalhão.»
(Eça de Queirós, Os Maias, cap. XVI)