DÚVIDAS

A sintaxe de alcançar, de novo

Eu tinha de fazer essa pergunta a vocês antes, porém não me foi possível, então faço a vocês agora.

A consultora Carla Marques respondeu a um consulente a respeito do verbo alcançar, presente na obra de Machado de Assis O Alienista. Confesso que, depois da explicação dela, fiquei confuso, pois não consegui compreender a construção em outras situações: «[…] não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, [… ]» (Machado de Assis, O Alienista)

Leve em consideração a seguinte exposição:

1.º Se se trata do verbo alcançar como transitivo direto e indireto (conforme foi apontado por Carla Marques), por que o pronome dele parece exercer a função de sujeito de «ficasse em Coimbra», quando na verdade tal exerce função de objeto indireto? Assim sendo, é como se a frase pudesse ser estruturada do seguinte modo: «… não podendo el-rei alcançar de que ele ficasse em Coimbra…».

2.º Se eu estiver errado a respeito da observação do pronome como sujeito, então seriam permitidas as construções do tipo: «… não podendo el-rei alcançar de mim/ti que ficasse/ficasses em Coimbra…»

3.º Mas, se eu estiver certo na minha observação do referido pronome como sujeito, então permitidas seriam tais construções: «… não podendo el-rei alcançar de eu/tu que ficasse/ficasses em Coimbra…» Ou: «… não podendo el-rei alcançar de que eu/tu ficasse/ficasses em Coimbra…»? Se sim, por quê?

4.º A frase de Machado de Assis poderia escrever-se no modo reduzido assim: «… não podendo el-rei alcançar de ele que ter ficado em Coimbra…»?

5.º Seria correto substituir o verbo alcançar pelos verbos conseguir e obter (já que o dicionário Aurélio as apresenta como sinônimas) na frase original de Machado de Assis: «… não podendo el-rei conseguir/obter dele que ficasse em Coimbra…»?

Desculpem-me por minha exposição ser tão extensa.

Desde já, meu muitíssimo obrigado.

Resposta

Na frase de Machado de Assis, o pronome contraído com preposição dele (de + ele) não desempenha a função de sujeito porque não está dependente da forma verbal ficasse, mas antes da forma verbal alcançar. Assim, na frase, dele desempenha a função de complemento oblíquo / complemento do verbo (complemento relativo), pois o verbo alcançar, sendo transitivo direto e indireto, pede dois complementos: um complemento direto / objeto direto («que ficasse em Coimbra, […]») e um complemento oblíquo / complemento de verbo introduzido pela preposição de («dele»).

Por seu turno, o verbo ficar, verbo da oração subordinada completiva, tem um sujeito subentendido, que se recupera pelo contexto e que corresponde a uma 3.ª pessoa do singular que tem como referente o nome médico (que surge anteriormente no texto).

As frases que o consulente apresenta no terceiro ponto da sua pergunta não são, assim, possíveis porque a preposição de está relacionada com o pronome e não com a oração subordinada completiva.

A frase apresentada pelo consulente no quarto ponto também não é possível porque a oração subordinada completiva, sendo introduzida pela conjunção que, terá de ter um verbo flexionado.

Finalmente, na frase de Machado de Assis, o verbo alcançar é efetivamente sinónimo dos verbos conseguir o obter.

Disponha sempre!

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