As gramáticas portuguesas insistem em apresentar a regra de que os pronomes clíticos (ou pronomes átonos) ocorrem presos depois do verbo: «Ele esqueceu-se dos anos do irmão»; «ele privou-se de muita coisa.» É a regra que, sentimos vontade de dizer, é defendida por todas as gramáticas sem exceção. Celso Cunha e Lindley Cintra, por exemplo, falando do pronome átono, dizem «a sua posição lógica, normal [destacado nosso], é a ênclise» e dão como exemplo: «Agarraram-na e conseguiram a muito custo arrastá-la do quarto.» A regra parece simples. No entanto, seguem-se seis páginas de exceções, seis páginas em que a regra da colocação do pronome não é a ênclise (isto é, o pronome não se posiciona depois do verbo), mas a próclise (isto é, o pronome posiciona-se antes do verbo).
E lá vêm as tradicionais exceções: quando a oração é negativa – «Não lhes dizia eu?»; «Nunca o vi tão sereno e obstinado.» –, quando a oração é iniciada por pronomes ou advérbios interrogativos – «Quem me busca?» –, quando a oração é iniciada por palavras exclamativas – «Bons olhos o vejam.» –, etc. etc.
Uma regra simples como esta, com tantas exceções, só pode estar errada. Mais correto será dizer-se que a regra é inversa: a posição lógica, normal é a próclise, sendo, portanto, regra a longa lista de exceções geralmente apresentada pelas gramáticas. Significa isto que a regra da ocorrência do pronome clítico é a sua ocorrência antes do verbo, exceto nas declarativas, afirmativas simples: Diz-se: «Ele viu-me», mas diz-se: «Ele não me viu»; «Eu cheguei antes de ele me telefonar»; «Oxalá eu o encontre logo à noite.»
A regra é, pois, em nosso entender inversa. Em todo o caso, e sem qualquer margem para dúvidas, a capa deste livro deveria dizer: «Como emagrecer sem se privar de nada.» A regra comummente apontada apresenta de facto a oração iniciada por preposição como exceção, mas será que se trata de uma exceção? Em nossa opinião, não.
Note-se que a regra de colocação do pronome antes do verbo está sempre presente no português do Brasil: «Ele me viu.» Foi o português europeu que se desviou na exceção das orações declarativas afirmativas simples, e não o português do Brasil.
Note-se também que esta utilização proclítica (ocorrência antes do verbo) se verifica sempre em outras línguas românicas: «Je l'ai vu ce soir», «Il se prive de beaucoup de choses»; «Él se priva de muchas cosas», «Se me ha olvidado/olvidó el cumpleaños de mi hermano»; «Lui si priva di molte cose», «Mi sono già dimenticato del compleanno di mio fratello».
Só o português europeu posiciona o pronome depois do verbo em declarativas afirmativas simples: «Ele priva-se de muita coisa, mas ele não se priva de nada»; «Por isso, saiba como emagrecer, sem se privar de nada». É claro que as explicações, tal como as gramáticas as defendem, só vêm confundir.