« (...) Sanduíche (...) vem do nome de John Montagu, Conde de Sandwich (1718-92) (...).»
Os dicionários definem epónimo1 como «aquele que dá o seu nome a qualquer coisa».
Por exemplo, Atena, a deusa grega da sabedoria e das artes (os romanos chamavam-lhe Minerva), é o epónimo da cidade de Atenas. Do nome do pedagogo francês Louis Braille (1809-1852), que perdeu a visão aos três anos, formou-se o substantivo e adjetivo braille (ou braile), o sistema de leitura e de escrita para cegos.
Há várias palavras formadas a partir de epónimos cuja origem pode-nos parecer mais “camuflada”:
1. CARRASCO – era a pessoa que executava condenados à pena de morte. Vem do nome do algoz lisboeta Belchior Nunes Carrasco (séc. XV?). Em sentido figurado, significa pessoa cruel ou desumana.
2. MECENAS – é a pessoa ou a entidade que apoia e promove financeiramente um artista ou uma instituição cultural. «O termo deriva do nome de Caio Mecenas (70 a.C.– 8 a.C.), um influente conselheiro do imperador Augusto que formou um círculo de intelectuais e poetas, sustentando sua produção artística» (Wikipédia). Um dos maiores mecenas de Portugal foi Calouste Gulbenkian (Üsküdar, Istambul, 1869 – Lisboa, 1955), empresário arménio naturalizado britânico.
3. SILHUETA – o desenho de perfil em que se seguem apenas os contornos deve o seu nome ao francês Étienne de Silhouette, controlador-geral de Finanças no tempo de Luís XV (séc. XVIII), que gostava de recortar em papel o perfil de amigos.
4. BOICOTE – do nome do proprietário irlandês do séc. XIX Charles Boycott, que viu os seus arrendatários recusarem-se a trabalhar, devido à dureza das regras que lhes impunha.
5. NICOTINA – do nome do diplomata francês Jean Nicot, que enviou, em 1560, quando embaixador em Lisboa, certa quantidade de tabaco à rainha Catarina de Médicis, tendo, desta maneira, introduzido o tabaco em França.
6. LINCHAR, LINCHAMENTO – palavras derivadas de «lei de Lynch» (Lynch law), do nome de William Lynch, fazendeiro americano que «no final do séc. XVIII instituiu um tribunal privado a que incumbia julgar sumariamente os criminosos apanhados em flagrante» (Dicionário Houaiss).
7. SAXOFONE – do nome de A. J. Sax (1814-1894), construtor belga de instrumentos musicais e inventor do saxofone.
8. GUILHOTINA – «instrumento de decapitação, constituído por uma lâmina cortante que se move verticalmente. Do francês guillotine, do nome do médico francês Guillotin (1738-1814), que pugnou pelo uso da guilhotina em vez das torturas que eram infligidas aos condenados à morte» (Infopédia).2
9. ALGARISMO – do nome do matemático e astrónomo persa Al-Khwarizmi (séc. IX). Considerado o pai da álgebra, viveu e morreu em Bagdad.
O vocábulo álgebra (em árabe al-jabr) foi usado num tratado escrito por Al-Khwarizmi, intitulado Kitab al-Jabr wa-l-Muqabala , ou seja, o Livro da Restauração e do Balanceamento (cf. Wikipédia).
10. ALFARRÁBIO, ALFARRABISTA – palavras derivadas do nome do filósofo muçulmano Al-Farabi (séc. X).
11. CHAUVINISMO – «patriotismo exacerbado e agressivo». Do francês chauvinisme, de Nicolas Chauvin, soldado de Napoleão tomado como tipo de patriota fanático.” (Infopédia)
12. CICERONE – segundo o Dicionário Houaiss, «do italiano cicerone (séc. XVIII), dada a célebre eloquência de Cícero, orador e político romano (106-46 a.C.). Estabeleceu-se então uma comparação desse com outros guias turísticos romanos, graças à efusividade dos últimos».
13. CIRÍLICO – do nome do monge São Cirilo (827-869), que «foi um dos grandes responsáveis pela expansão do cristianismo entre os eslavos do Leste Europeu no século IX. Uma das realizações mais importantes de São Cirilo foi a elaboração de um alfabeto adaptado às línguas eslavas, conhecido posteriormente como alfabeto cirílico.» (Wikipédia)
14. SANDUÍCHE – do inglês sandwich, cujo termo mais popular é sandes (redução da palavra sanduíche), «vem do nome de John Montagu, Conde de Sandwich (1718-92), o mesmo que deu o nome às Ilhas Sandwich, hoje o arquipélago do Havai. No meio de um jogo de cartas que se estendeu por quase dois dias, o famoso conde pediu que lhe servissem um naco de rosbife entre duas fatias de pão, a fim de que pudesse comer sem se afastar da mesa de jogo. Seu pedido atraiu os presentes por ser prático e nutritivo, popularizando-se em seguida pelos clubes de Londres como “o pedido de Sandwich”. O nome adotado terminou imortalizando aquela refeição da madrugada de 6 de agosto de 1762.»3
15. MASOQUISMO, MASOQUISTA – palavras derivadas do nome do escritor austríaco Leopold von Sacher-Masoch (1836-1895). «O termo deriva de seu nome graças ao seu romance A Vénus das Peles, onde um dos personagens atinge o gozo após ser surrado pelo amante da sua esposa.» (Wikipédia)
16. DALTÓNICO, DALTONISMO – o daltonismo é «a incapacidade de distinguir as cores umas das outras, principalmente o vermelho e o verde. De John Dalton, químico e físico inglês (1766-1844).» (Infopédia)
17. MANSARDA – do nome do arquiteto François Mansard ou Mansart (1598-1666), que colocou este tipo de construção na moda; o mesmo do que águas-furtadas.4
18. JANEIRO, MARÇO, JUNHO, JULHO, AGOSTO – os nomes destes meses são epónimos de, respetivamente, Jano (o deus das origens), Marte (deus da guerra), Juno (mulher de Júpiter), Júlio César (imperador e o reformador do calendário romano) e Augusto (imperador romano).5
19. LARÁPIO – todos os bons dicionários indicam que a origem do vocábulo larápio é obscura. No entanto, o Dicionário Houaiss, que também regista que a etimologia é obscura, refere esta história popular e engraçada, mas fantasiosa, atribuída ao etimologista brasileiro Antenor Nascentes: «Havia em Roma um pretor de nome Lucius Antonius Rufus Appius que assinava “L. A. R. Appius” e passava sentenças favoráveis a quem melhor por elas pagasse, com o que “larápio” se tornou designativo de qualquer pessoa que agisse de modo desonesto.» Pode ler-se um artigo com o título “Lendas etimológicas: Larápio”, aqui.
Existem muitos outros vocábulos formados a partir de epónimos mais fáceis de lhes perceber a origem, como por exemplo, pasteurização (Pasteur), sadismo (Marquês de Sade), pantagruélico (Pantagruel), maquiavélico (Maquiavel), dantesco (Dante), etc.
20. Também temos vários topónimos de origem eponímica: Colômbia (de Cristóvão Colombo), América (de Américo Vespúcio), Filipinas (de Filipe II de Espanha), Bolívia (de Simón Bolívar), Alexandria (de Alexandre, o Grande), Moçambique (de Mussa bin Mbiki ou Mussa Bin Bique, comerciante e governante árabe), etc.
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Notas:
1 Do grego “ἐπώνυμος” («sobrenome, nome que se junta»), composto por “ἐπί” («sobre») e “ὄνομα” («nome»)
2 Cf. guillotine (Wikipédia em francês), onde se lê em francês: «La petite phrase du médecin: "Avec ma machine, je vous fais sauter la tête en un clin d’œil, et vous ne souffrez point"» (tradução livre: «A frasezinha do médico: "Com a minha máquina, faço-lhe saltar a cabeça num piscar de olhos sem o menor sofrimento"»).
3 Cf. "Epônimos", in Sua Língua, de Cláudio Moreno.
4 Epónimos no Cuidado com a Língua!
5 "Os meses do ano", in Ciberdúvidas.
Lista elaborada por João Nogueira da Costa, que a publicou no Facebook em 26 de dezembro de 2018.