«A principal responsabilidade pela degenerescência do Português falado no discurso público [português] é a sua colonização pela pronúncia coloquial dominante em Lisboa, por efeito da rádio e da televisão», sustenta o autor, neste apontamento publicado no "Diário Económico" de 4 de março de 2015.
É justificável a inquietação com os erros ortográficos (com ou sem Acordo Ortográfico) que manifestam em anúncios, jornais e legendas de televisão e que um recente teste oficial a professores veio reforçar.
Menos notados, porém, são os crescentes atropelos à ortofonia, ou seja, à pronúncia correta da língua.
Em geral, as línguas têm variantes coloquiais ou populares, que naturalmente variam de região para região, e uma norma fonética formal ou erudita, que se ensina nas escolas e se utiliza no discurso oficial e no discurso público em geral. Em Portugal, porém, parece que deixou de haver norma fonética, deixando a língua à mercê de derivas desviantes.
Houve tempo em que as crianças aprendiam, por exemplo, a pronunciar "acordos" e "molhos" (culinária) com "o" fechado e não com "o" aberto, como hoje frequentemente se ouve. E também aprendiam que se devia dizer "ozolhos (os olhos) e não "ojolhos", "azalmas" (as almas) e não "ajalmas", como diz tanta gente mesmo com instrução superior.
Mas a principal responsabilidade pela degenerescência do Português falado no discurso público é a sua colonização pela pronúncia coloquial dominante em Lisboa, por efeito da rádio e da televisão.
Por exemplo, palavras como "rio", "pavio", "tio" e outras semelhantes são pronunciadas com "i" breve e não com "i" longo, como no resto do país. O ditongo "ai" desaparece em palavras como "baixa" e "faixa" (pronunciadas como "baxa" e "faxa") e o ditongo "ou" desaparece em "frouxo" ou "souto" (que são pronunciadas como "froxo" ou "soto") e outras palavras semelhantes. Mais perturbante é a generalizada palatalização da pronúncia de palavras como "piscina", "crescimento", "nascer", "seiscentos", etc. que soam como "pichina", "crechimento", "nacher", "seichentos", etc. O caso torna-se patético em palavras como "excesso", "excelente" ou "excitante", em que a primeira sílaba desaparece e a pronúncia sai como "chesso", "chelente" ou "chitante"! Imaginar que um dia todos os portugueses vão falar assim, dá pesadelos.
Outra caraterística do coloquialismo lisboeta é a tendência para omitir a pronúncia de vogais átonas no meio e no fim das palavras, como por exemplo em "parecer", "alemão", "diferente", "pele" ou "telefone", pronunciadas respetivamente como "parcer", "almão", "difrente", "pel" e "telfone" (ou mesmo "te'fone"!). Essas palavras perdem uma sílaba, por vezes duas, na sua versão falada. Outras formas correntes de "sintetização" do modo de falar de Lisboa é a contração de "mesmo" em "memo" ou de "estar" em "tar", de "para" em "pa" (como, por exemplo, em "ir pa Lisboa" ou "viajar pa Coimbra") e muitos outros casos. O recente anúncio em que Ricardo Araújo Pereira diz que os "pós-saldos" da MEO são «pós [para os] portugueses (...)» pode parecer uma caricatura mas é um traço cada vez mais corrente da pronúncia da capital [português].
É evidente que as pessoas falam como aprenderam e como ouvem outros falar. A escola e os meios de comunicação têm um papel decisivo no modo de falar. Professores e comunicadores deveriam respeitar a norma erudita da pronúncia da língua. A adoção do dialeto lisboeta como norma vai tornando o português ibérico uma língua cada vez mais exótica, mesmo no contexto da lusofonia.
[Ver, ainda: Português de Lisboa: ao que isto chegou... ]
Título da responsabilidade do Ciberdúvidas; artigo publicado no jornal Diário Económico do dia 4 de março de 2015, com o título "Ortofonia". Manteve-se a grafia original, segundo a norma anterior ao Acordo Ortográfico, seguida pelo jornal português.