Há pouco tempo, durante um passeio que a minha mãe fez à cidade do Porto, aconteceu-lhe um episódio engraçado e que exemplifica uma certa rivalidade linguística que existe entre os falantes portugueses. Num restaurante, perto do Mercado do Bolhão, onde a minha mãe tinha parado para almoçar, no momento de fazer o seu pedido a uma simpática empregada, terá dito «E para beber queria uma imperial, por favor». Conta a minha mãe que o sorriso da empregada assim que a ouviu dizer isto se desvaneceu e com um modo educado, mas sério, esta ter-lhe-á respondido «Ó minha senhora, nós aqui dizemos fino», o que provocou algumas gargalhadas nos presentes. O debate imperial versus fino é bastante popular entre os falantes de português europeu provenientes de diferentes regiões, aliás, em jeito de brincadeira, costuma-se dizer que o país se divide entre os que pedem uma imperial e os que preferem pedir um fino, na hora de solicitar cerveja tirada à pressão e servida num copo de 33 cl.
Com base nestas diferenças lexicais entre alguns termos e expressões que se diferenciam consoante a região e nos “sotaques” do Porto e de Lisboa, a cantora Ana Bacalhau, natural da cidade de Lisboa, em parceria com a cantora Claúdia Pascoal, natural da região do Porto, lançou, na semana passada, a música "Imperial é fino", que brinca precisamente com a diversidade linguística em Portugal, nomeadamente com as diferenças lexicais e de pronúncia entre a região do Porto e a região de Lisboa. Inspirada no clássico Let’s Call The Whole Thing Off, que aborda as diferenças entre o inglês americano e o inglês britânico, este novo tema de Bacalhau e Pascoal ironiza certos debates populares que existem entre o falar à moda do Porto e o falar à moda de Lisboa. Pois, afinal, deve-se dizer ténis ou sapatilha? Sertã ou frigideira? Cabide ou cruzeta? Estas são questões que dividem uma grande parte dos falantes destas duas regiões. Contudo, nenhum destes termos está errado, sendo apenas exemplos simplificativos de uma certa competição linguística saudável que existe entre alfacinhas (lisboetas) e tripeiros (portuenses), ou, de forma mais alargada, entre a região centro-norte e a região centro-sul.
Para além das diferenças lexicais que existem entre as duas principais regiões portuguesas, esta música, com letra original da genial Capicua, capta também as variações fonéticas mais emblemáticas destes dois tipos de “sotaques”. Por um lado, o falar lisboeta caracteriza-se por, em alguns casos, trocar o som da vogal i pelo som muito fechado da vogal e, passando o som [i] a ser pronunciado [ɨ] e, por conseguinte, a palavra Lisboa, para muitos habitantes da capital, diz-se ‘Lesboa’. Por outro lado, o falar portuense caracteriza-se pela famosa troca da letra b pela letra v, fazendo com que expressões como «Vem cá» soe «Bem cá». Mas serão estas particulares sonoridades regionais um problema? Ora, como canta Pascoal «Para mim o V vira B, p’ra ti “Lesboa” é com E, oblá e então?», como quem diz não há problema em a pronúncia, em certos casos, ser diferente. E, de facto, não há, uma vez que é esta mesma variação que nos caracteriza enquanto falantes provenientes de uma determinada região e torna a língua portuguesa rica e bela.
Outros exemplos de variação que a música "Imperial é fino" aborda com humor é o calão. Se para dizer muito, em Lisboa facilmente sai um bué, no Porto será mais provável dizer-se tótil. Mas indo um pouco mais além, quando se define um parolo através de uma linguagem menos formal, é natural um lisboeta chamar-lhe bimbo enquanto para um portuense trata-se de um azeiteiro. E já agora, como será que em Lisboa se designam os famosos gunas? Pois bem, na rua, em frente ao local onde escrevo este texto, acabou de passar um mitra.
Não existem, portanto, sotaques melhores ou piores do que outros, já que cada um é perfeito à sua maneira. Quer isto dizer que o sotaque do Norte, das Beiras ou do Alentejo não é pacóvio, só porque soa diferente do português difundido pelas rádios e televisões (ou seja, o português típico da região de Lisboa), já que todos eles têm direito a existir e são fruto da riquíssima variação cultural e linguística. E apesar de algumas destas nuances da língua poderem causar mal-entendidos, será sempre divertido que na hora de pedir um café, um lisboeta diga «uma bica», ao passo que um portuense «um cimbalino».
Veja o vídeo da música «Imperial é fino» aqui: