Os portugueses complicam desnecessariamente uma língua que é obra-prima da nossa História, adverte o filólogo Artur Anselmo. presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, em declarações à agência de noticias portuguesa, Lusa.
O filólogo [português] Artur Anselmo, presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, considera o português está a ser vítima de uma banalização que faz com que, cada vez mais, «as pessoas falem todas da mesma maneira», empregando «uma parcela ínfima» dos vocábulos ao seu dispor.
«Nós temos 110 mil palavras dicionarizadas – e não falo nas locuções, que aí iríamos para as 300 mil – e o português básico está reduzido a menos de mil palavras, o que é péssimo», refere, criticando «esta falta de variedade, esta uniformidade em que caímos».
E exemplifica:«O verbo 'pôr' está a desaparecer, hoje toda a gente 'mete', diz-se 'meto a mesa' em vez de 'ponho a mesa', e isto é mau. O verbo 'fazer' também está a desaparecer: já ninguém 'faz' perguntas, toda a gente 'coloca' questões».
E acresecenta: «Os portugueses complicam desnecessariamente uma língua que é uma obra-prima da nossa História" quando "o simples é o contrário do banal – falar com simplicidade é falar bem, não é falar difícil nem com estereótipos banalizados».
«O purista acabou, aquele indivíduo que nos dizia constantemente as regras da língua» já não existe, considera Artur Anselmo, para quem a ortografia é importante sobretudo para «ajudar à pronúncia correcta».
«Agora, o que é a pronúncia correcta, a chamada ortoépia?», questiona, recordando que, tradicionalmente, se considerava que, no caso de Portugal continental, essa pronúncia passava numa isoglossa (fronteira geográfica de uma certa característica linguística) «situada aproximadamente entre a Mealhada e Leiria», dando-se como exemplo o 'falar de Coimbra', «devido ao prestígio da erudição universitária».
Actualmente, «a ortoépia é feita pelos comunicadores, pelos locutores. Os 'predicatores', que antes eram pessoas ligadas à Igreja e à universidade, hoje são os comunicadores».
Por outro lado – acrescenta –, o número de filólogos «tem diminuído consideravelmente» em Portugal, pois vive-se uma época «em que esse tipo de preparação universitária não é rendível ou, como para aí se diz, 'rentável'.»
«Eu digo 'rendível' porque sei que vem do latim e sei que o 'rentable' francês deu o galicismo 'rentável', mas vou para a praça pública crucificar-me a dizer 'passem todos a usar rendível'?", interroga, dando também o exemplo dos países africanos de língua oficial portuguesa, cujo acrónimo correcto é PALOP.
Os portugueses dizem, por vezes, 'PALOP's'. "O 's' não sei de onde veio, mas o que é que eu vou fazer? Vou pegar numa régua e ameaçar todas as pessoas que dizem PALOP's? Quem manda na língua são os seus falantes e, se estes a falam mal, o problema é deles», declara o investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, para quem nem o Acordo Ortográfico «vai resolver todos os problemas».
«As línguas vão continuar a evoluir», sublinha, dando como exemplo o inglês: «Percebo que os ingleses não tenham acordo nenhum com a Austrália e que os australianos não tenham acordo nenhum com os Estados Unidos da América. Nós queremos consultar um dicionário do inglês de Inglaterra e consultamos o Oxford, mas, se queremos consultar o inglês dos Estados Unidos, vamos ao Webster».
No caso da língua portuguesa, para o português do Brasil existem dicionários como «o Aurélio ou o Houaiss», enquanto para o português de Portugal estão disponíveis obras como o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de António Cândido Figueiredo, originalmente publicado em 1899 e objecto de várias reedições.
No que respeita à Filologia, o presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia das Ciências de Lisboa entende que esta área de estudo não é muito atraente «numa sociedade de consumo em que o dinheiro é adorado em todas as ocasiões».
«Infelizmente, o discurso que as gerações mais antigas passam aos novos é aquele que já se passava no meu tempo. Quando eu decidi ir para Letras, as amigas da minha mãe diziam 'Letras são tretas'», recorda, afirmando não estar, contudo, arrependido da escolha. «Eu amava as Letras mais do que a mim próprio e por isso cá vou andando, feliz da vida.»
Lusa, 16 de Março de 2009