« (...) Salikoko S. Mufwene (...) propõe que apenas devemos entender as línguas como seres vivos se as concebermos como espécies parasitárias, cuja existência depende das práticas interacionais dos falantes, seus criadores e hospedeiros.»
As metáforas conceptuais são muito usadas na construção de conhecimento científico e também na produção de neologismos terminológicos. Uma «metáfora conceptual» resulta de entendermos um conceito ou domínio conceptual em termos de outro, pré-existente, do qual temos algum grau de compreensão – e.g. verificamos que os termos associados ao domínio da «náutica» (nave, navio, nauta, navegar, navegante, navegação...) têm sido usados desde tempos remotos para denominar diferentes formas de »navegar», i.e., de percorrer ou atravessar um espaço em veículo adequado (e.g. barco, avião, nave espacial, computador), originando navegação fluvial, marítima, aérea, espacial, internética... As diferentes áreas científicas e o discurso pedagógico recorrem frequentemente a metáforas para denominar conceitos abstratos ou dificilmente percetíveis através dos sentidos, facilitando a sua compreensão.
O uso, em sociolinguística, do termo ecologia é um claro exemplo de metáfora conceptual. O termo, composto dos elementos gregos oikos, «casa», e logos, «estudo», denomina o «ramo da biologia que estuda a relação dos seres vivos entre si e com o meio em que vivem» (Infopédia). A metáfora segundo a qual as línguas são seres vivos, frequentemente usada por algumas escolas linguísticas, explica o surgimento da disciplina chamada «ecologia da língua», termo cunhado pelo sociolinguista Einar Haugen (1972), entendido como o estudo da interação entre as línguas e o seu ambiente alargado, social, linguístico, histórico e político.
Um dos linguistas que mais trabalho desenvolveram nesta área é Salikoko S. Mufwene (Congo, 01/11/1947), distinto professor da Universidade de Chicago. Mufwene (em trabalho publicado, na Revista Brasileira de Ecologia e Linguagem – Eco-Rebel) propõe que apenas devemos entender as línguas como seres vivos se as concebermos como espécies parasitárias, cuja existência depende das práticas interacionais dos falantes, seus criadores e hospedeiros. A vitalidade das línguas dependerá, assim, de quão regularmente as populações associadas a determinada ou determinadas línguas as usam em situações diversas do quotidiano, facto cujas consequências variam muito, dependendo de se as línguas são usadas em todos os domínios do conhecimento e experiências dos falantes, se são usadas apenas em alguns, mas não em outros, ou se não são usadas em nenhum. A vitalidade de uma língua é tanto maior quanto o número de domínios em que é usada e apenas virá à tona em situações em que várias línguas coexistem, i.e., em que existe contacto e, quase sempre, competição entre elas. Esta competição traduz-se no modo como as populações classificam, socialmente, línguas que coexistem no mesmo espaço-tempo em que são usadas, classificação que reflete poder socioeconómico e político, atitudes sociais e benefícios sociais que advêm de se falar uma ou outra língua. A competição e a seleção natural entre línguas coexistentes são, assim, resolvidas pela ação dos falantes, das populações, que associam línguas específicas a domínios de uso específicos, ou que deixam que uma língua prevaleça em todos os domínios, como ocorre frequentemente entre as elites dos países que foram colónias europeias, e.g. os de língua portuguesa.
Saliko Mufwene, uma das atuais pop stars da linguística mundial, proferirá a 8 de novembro, às 18h30, na Faculdade de Letras da ULisboa, uma conferência intitulada Making Sense of the Ecology of Language and Linguistic Ecosystems, com entrada livre mas sujeita a pré-inscrição (link aqui). Para quem gosta destes assuntos, é evento a não perder.
Artigo da professora universitária e linguista portuguesa Margarita Correia, transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias de 6 de novembro de 2023 .