Entre os séculos XV e XIX, as relações entre Portugal e os territórios que hoje formam Angola eram sobretudo relacionadas com o comércio de escravos, uma vez que estes funcionavam essencialmente como base de fornecimento de mão de obra para o Brasil. Após a conferência de Berlim, realizada em 1885, em que as potências europeias dividiram o território africano entre si, Angola passou efetivamente a ser ocupada pelos portugueses e considerada colónia portuguesa. Durante esse período, o português passou a ser a única língua de contacto no ensino e o instrumento que propiciava a assimilação cultural, estando, no entanto, apenas acessível aos colonos e às classes privilegiadas.
Quando a independência de Angola foi declarada a 11 de novembro de 1975 pelo então presidente angolano Agostinho Neto, o português foi adotado como língua oficial, uma vez que foi considerado o único idioma capaz de permitir uma comunicação eficaz entre os diferentes grupos étnicos e de garantir a unidade nacional. Por conseguinte, de forma a conhecer algumas das características da língua portuguesa em Angola, na atualidade, e de saber como é dinamizado o seu ensino, conversámos com a professora Eunice Marta, ex-consultora do Ciberdúvidas e atualmente docente do Instituto Piaget de Benguela.
O português: uma língua do povo angolano
Angola é um país composto por vários grupos étnicos, entre eles o ovimbando, principal etnia e cuja língua é o umbundo, o mbundo, o kongo, o limbé, o humbé, o nyaneka, o tchokué, o luéna, o luchasi, o luanda, o nkhumbi ou o ngangela. Com efeito, Eunice Marta explica que «Angola é um país multilingue, com uma pluralidade de línguas nacionais», o que faz com que o português tenha servido como meio de interação entre os diferentes grupos do país, contribuindo, tal como também se verifica em Moçambique, para a construção de uma identidade nacional.
Embora o português seja uma herança colonial, a professora do Piaget assinala que a grande maioria dos angolanos entende esta língua como sua, na medida em que «já há tantas características próprias do português de Angola, que este já é entendido como uma língua do povo». Inclusive, em contextos urbanos, uma parte da população tem o português não como língua segunda, mas como materna, até porque muitos pais se recusam a ensinar aos filhos outro idioma que não seja o português.
Todavia, isto não invalida que exista uma relação entre o português e as línguas nacionais. Aliás, na opinião de Eunice Marta, esta é pacífica, mas com interferências. Exemplo disto é o facto de, tal como esta docente elucida, haver uma tendência para os pronomes interrogativos surgirem no final da frase e não no início como é tendência no português europeu, originando estruturas como «vais onde?». Este fenómeno é, na ótica desta especialista, uma ilustração perfeita da influência do umbundo no português.
Os desafios do ensino do português em Angola
No que concerne ao ensino da língua portuguesa, uma das grandes dificuldades dos estudantes apontada por Eunice Marta é a compreensão das diferenças que existem entre língua falada e língua escrita, visto que «os estudantes angolanos têm poucos hábitos de escrita». Verificam-se também alguns problemas no uso da linguagem formal, nomeadamente, adequação de certas marcas discursivas à formalidade.
Outro problema indicado é o facto de muitos destes estudantes aprenderem a norma europeia, o que não é de todo adequado ao perfil deste tipo de alunos. Esta professora considera que o português usado em Angola é, por vezes, muito distinto daquele que está descrito nos livros escolares, uma vez que muitos são importados de Portugal, ou seja, feitos por editoras portuguesas e pensados para alunos portugueses. Além do mais, a grande maioria das escolas ainda não acompanha os trabalhos realizados por linguistas sobre as caraterísticas do português de Angola, fazendo com que muitos professores prefiram seguir a norma do português europeu e tenham pouca sensibilidade para adaptar os materiais didáticos à realidade linguística angolana.
Um passo importante para a melhoria da sua qualidade passaria por, de acordo com Eunice Marte, melhorar a articulação e comunicação entre universidades e ministério da educação.
Veja a entrevista aqui: