Nos dias de hoje, o português é, segundo informações do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, a quarta língua mais falada do mundo, com cerca de 260 milhões de falantes. Contudo, de acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), prevê-se que, em 2050, sejam mais de 500 milhões. Este crescimento dever-se-á sobretudo aos países africanos de língua oficial portuguesa, mais conhecidos pelo acrónimo PALOP. Aliás, atualmente, uma grande parte dos falantes de português está, após o Brasil, no continente africano, que acolhe um grande número de falantes, em países como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde.
A história da presença da língua portuguesa em África é complexa e está intrinsecamente relacionada com a colonização iniciada pelos portugueses no século XV e que terminou apenas no século passado com a declaração de independência dos PALOP. No entanto, esta ação realizada pelos portugueses gerou inevitavelmente um contacto entre a sua língua e diferentes línguas africanas, o que levou a que, para além do aparecimento de línguas crioulas de base lexical portuguesa na Alta Guiné e no Golfo da Guiné, emergissem novas variedades que, nos últimos anos, têm vindo a consolidar-se e que apresentam influências de línguas de diferentes grupos étnicos. Além do mais, o léxico do português atual também sofreu influências resultantes desse contacto como são exemplo as palavras carimbo, missanga, cachimbo ou samba, que têm origem em línguas como o quimbundo.
Apesar das feridas que a colonização feita pelos portugueses deixou nestes países, a língua portuguesa é atualmente o seu idioma oficial, isto é, os governos e as instituições públicas usam-na na comunicação interna e a nível internacional. Contudo, a sua situação multilingue, característica destes países, faz com que uma grande parte das suas populações não tenha o português como língua materna (LM). Neste contexto, o Ciberdúvidas entrevistou Eunice Marta, docente no Instituto Piaget de Benguela, Goreti Freire, professora na Universidade de Cabo Verde, e Marta Sitoe, docente e investigadora da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), sobre a situação linguística e o funcionamento do ensino do português em Angola, Cabo Verde e Moçambique e o funcionamento do ensino do português nestes países.
Nos países em que emergiram línguas crioulas de base lexical portuguesa, como Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, o português tem uma relevância menor, já que o principal veículo de comunicação oral é o crioulo. Nesta perspetiva, Goreti Freire, docente na Universidade de Cabo Verde, considera que «quando falamos da situação linguística de países como Cabo Verde temos de ter em consideração que estamos na presença de duas línguas que têm uma coexistência pacífica». No entanto, esta simultaneidade tem algumas especificidades, tal como sublinha esta professora e investigadora, uma vez que no quotidiano e até mesmo em alguns contextos de sala de aula, a língua utilizada é o crioulo, LM da maioria da população. Além disso, em Cabo Verde, têm surgido pontualmente alguns decretos-lei que pretendem sobretudo valorizar a língua crioula. Apesar disto, o crioulo não é a língua de escolarização. Goreti Freire explica que, em Cabo Verde, as crianças são alfabetizadas em português, ou seja, a aprendizagem da leitura e da escrita é feita em português, e não na sua LM.
Já nos países situados na zona das línguas bantas, como Angola e Moçambique, na ausência de uma LM comum, o português é muito usado na comunicação oral, sobretudo no meio urbano. Marta Sitoe informa que, por exemplo, em Moçambique «existem mais de 20 línguas de origem bantu que são faladas como línguas maternas». Por conseguinte, esta investigadora moçambicana defende que «o português é vital para a construção da unidade nacional e da nação moçambicana, pois o facto de Moçambique ser um país com várias línguas e culturas faz com que não se enquadre muito bem no conceito prototípico de nação, sendo que o que permite perspetivar Moçambique enquanto nação é a língua portuguesa, já que permite a comunicação de Nampula a Maputo». Aliás, segundo os últimos censos realizados em Moçambique no ano de 2017, a população com português como LM poderá, em 2027, situar-se em 21,6%, crescimento que se prevê sobretudo nas zonas urbanas.
No sentido de tentar perceber melhor a realidade atual do português em diferentes países africanos, o Ciberdúvidas apresenta um conjunto de reflexões sobre o português e o seu ensino em alguns países africanos de língua oficial portuguesa. Estes artigos, em suporte de texto e de vídeo, terão como base conversas que tivemos com três professoras de três universidades de diferentes países africanos que nos dão conta da sua visão sobre a situação linguística de Cabo Verde, Moçambique e Angola. As três docentes ajudam-nos, assim, a refletir sobre o multilinguismo em África e a relevância do português nestes contextos.
Veja o vídeo de introdução ao projeto: