Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Surgiu-me uma dúvida ao verificar a forma como foi criada a sigla do nome Universidade Mandume ya Ndemufayo (UMN). A letra inicial N em Ndemufayo marca apenas a nasalidade, como acontece com alguns nomes das línguas bantu...

Estará correcta esta sigla?

Resposta:

As siglas são fruto de um «processo de criação vocabular que consiste em reduzir longos títulos a abreviações das palavras que os formam, constituídas das letras iniciais das palavras que os compõem» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 116).  São, portanto, formadas a partir dos nomes que fazem parte do título das instituições, organizações, associações, serviços, sociedades, etc., sem que nelas constem as preposições  que ligam as palavras, como são os casos de ONU (Organização das Nações Unidas), FIFA (Fédération Internationale de Football Association).

Tendo como referência a norma apresentada por Cunha e Cintra sobre o processo de formação das siglas, concluímos que a sigla da Universidade Mandume ya Ndemufayo, UMN, está correcta, pois é formada pelas letras iniciais de cada um dos nomes da instituição (Universidade Mandume Ndemufayo1).

As siglas são formadas por grafemas e não por fonemas. Mesmo que o N inicial do nome próprio Ndemufayo represente um som nasal ou a nasa...

Pergunta:

Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguémNos saberá explicar,
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.


Qual é a designação do esquema rimático ABCBAC, na primeira estrofe?

Que tipos de rimas é que são existentes neste poema de Fernando Pessoa?

Resposta:

No esquema rimático ABCBAC, existem dois tipos de rimas.

Predominam as rimas interpoladas em todo o poema, sendo a 2.ª e 3.ª estrofes exemplos de casos de rimas interpoladas na totalidade, uma vez que o 1.º verso rima com o 4.º, o 2.º com o 5.º e o 3.º com o 6.º, ou seja, há um intervalo de dois versos entre os dois versos de rima igual.

A 1.ª estrofe distingue-se a nível rimático, porque existe um caso de rima cruzada (em B), o que sucede «quando alterna com verso sem rima ou de rima diferente» (Amorim de Carvalho, Tratado de Versificação, Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1981. p. 84).

Neste caso, a rima cruzada alterna com rima diferente, a interpolada – ABCBAC.

Cf.: Fernando Pessoa: 10 das melhores frases do génio

Pergunta:

Pode-se considerar o poema abaixo um soneto, apesar de não seguir as regras da métrica próprias desse tipo de composição poética?

 

O DESEJO DO HOMEM

Tenta o homem, em busca insana,
Numa caminhada de virtudes nua,
Satisfazer a própria voz, que clama:
“Qual o sentido da existência tua?”

Em meio a tantos anseios perdido,
Não sabe ao certo o que almejar
Atormenta-o um desejo escondido
Na sombra de um Amor singular

Cursando o deserto interior
Que a graça maior consentir,
Na hora em que menos supor,

Abismado, irá enfim descobrir
Que, se em tudo existe um valor,
Só em Deus tem razão de existir.

Resposta:

O poema O Desejo do Homem é um exemplo de um soneto moderno (a nível da métrica e da rima).

Distinto do soneto clássico1, o soneto moderno não segue o «uso exclusivo do decassílabo, o verso próprio do soneto na poesia clássica portuguesa, nem as distibuições rimáticas (Amorim de Carvalho, Tratado de Versificação Portuguesa, Lisboa, Universitária Editora, 1987, p. 106).

Para além da liberdade no domínio da métrica, este poema não tem as mesmas rimas nas quadras [ABAB CDCD], outra das características do soneto moderno, que «não tem, obrigatoriamente, as mesmas rimas nas quadras (quer dizer, não obriga à transposição da rima para a segunda quadra)» (idem).

Assim, desde os românticos, avessos às convenções que pesam sobre a arquitetura do soneto, que «os sistemas rimáticos se alteram e atingem as quadras [mesmo se se mantém como preferível o emprego de apenas duas rimas, varia-se a sua combinação, tornando-se corrente ABAB-ABAB e ABBA-BAAB]». E, embora «o decassílabo continue a ser o metro mais utilizado, a par dele passa a encontrar-se o alexandrino, que a partir de Castilho ganhava notoriedade e que abandonava os seus ritmos mais clássicos, adaptando-se a esquemas mais livres e diversificados» (Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1995, pp. 169-176).

Repare-se que vários poetas optaram pela compos...

Pergunta:

Tenho visto nos cartões de Natal as pessoas escreverem: «feliz Natal e um próspero Ano-novo». Ano-novo é escrito com letra maiúscula, ou minúscula?

Resposta:

Em Portugal, a expressão Ano Novo, escrita com maiúsculas iniciais, só é usada para designar «o primeiro dia de janeiro» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2004 e 2010; ver também versão em linha do Dicionário da Língua Portuguesa da Infopédia), um dia de festa (feriado nacional). Exemplo: «No dia de Ano Novo, gostamos todos de sair.»

Ora, o caso que nos apresenta não se refere ao dia feriado do 1.º de janeiro, tratando-se da expressão de votos relativos ao Natal e ao novo ano que se inicia. Portanto, os adjetivos novo e feliz deverão ser escritos com minúsculas iniciais.

Como é patente, tanto Ano Novo como «ano novo» não têm hífen em Portugal. No entanto, alguns dicionários publicados no Brasil hifenizam esta expressão – ano-novo (cf. 1.ª edição do Dicionário, de 2001, Houaiss e iDicionário Aulete) –, grafando-a com iniciais minúsculas mesmo quando se refere ao 1.º de janeiro1. Não é isto prática generalizada da lexicografia brasileira, porque o Dicionário Michaelis regista «ano novo», sem hífen e aparentemente com minúsculas iniciais, como subentrada de ano; mas a 5.ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira acaba por consagrar a forma que exibe um hífen. De qualquer modo, observe-se que no Acordo Ortográfico de 1990, a alínea...

Pergunta:

Agradecia que me comunicassem qual destas frases está corretamente escrita em português:

1 – «O seu habitual donativo tem, neste ano, um objetivo muito concreto.»

2 – «O seu habitual donativo tem, este ano, um objetivo muito concreto.»

Resposta:

Ambas as frases estão corretas — «O seu habitual donativo tem, neste ano, um objetivo muito concreto» e «O seu habitual donativo tem, este ano, um objetivo muito concreto» —, pois é legítimo o uso de complementos circunstanciais de valor temporal com ou sem a preposição. Repare-se nos seguintes exemplos apresentados por Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Sá da Costa, 2001, p. 329):

«Esta tarde para mim tem uma doçura nova» (Ribeiro Couto, Poesias Reunidas, 83).

«Neste momento há um rapaz que gosta de mim, um inglês» (Urbano Tavares Rodrigues, A Noite Roxa, 13).

Também Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia de Uso do Português – Confrontando regras e uso (São Paulo, UNESP, 2003, pp. 317 e 541), esclarece que, «com ou sem a preposição em, as expressões [este ano, este mês, esta noite e neste ano, neste mês, nesta noite, etc.] indicam localização no tempo», comp...