Moçambique é um país situado na zona sul do continente africano, na costa sudeste. Território habitado por povos bantu desde o séc. III d. C., por volta do séc. XVI, a sua história cruza-se com os portugueses, que aí chegaram a caminho da Índia e em busca do rentável negócio das especiarias. Inicialmente, os navegadores portugueses instalaram-se na ilha de Moçambique, atualmente pertencente à província de Nampula (Noroeste de Moçambique), penetrando o território continental um pouco mais tarde e com o intuito de substituir a forte influência árabe na região. Durante séculos, a posição periférica deste país em relação a Portugal fez com que os portugueses considerassem esse território apenas como um interposto comercial com a Índia, uma vez que a geopolítica portuguesa da época estava mais interessada na ocupação da Índia e do Brasil. Só em meados do séc. XVIII, é que existe uma ocupação efetiva deste país por parte dos portugueses, sendo apenas considerado colónia portuguesa já no séc. XIX.
De acordo com Perpétua Gonçalves, em Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian), a difusão sistemática da língua portuguesa em Angola e Moçambique só ocorre efetivamente por volta da década de 30 do séc. XX (pág. 159). O modelo adotado então era muito similar ao francês e previa que o português (língua colonial) fosse a única língua de contacto no ensino e o instrumento que propiciava a assimilação cultural. Nesta perspetiva, até à declaração da independência, a língua portuguesa era praticamente desconhecida da maior parte da população de Moçambique. É apenas a partir da independência, declarada a 25 de junho de 1975, que começa em Moçambique um importante processo de difusão e valorização da língua portuguesa. Segundo dados dos censos de 1997, apenas 39% da população moçambicana afirmava ter conhecimentos de português, já o último censo, realizado em 2017, mostra que 58,1% dos moçambicanos declara ter conhecimentos desta língua, ou seja, houve um crescimento de 19 pontos percentuais entre 1997 e 2017.
No sentido de tentar perceber a situação linguística e o funcionamento do ensino do português em Moçambique, o Ciberdúvidas conversou com Marta Sitoe, investigadora e professora da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique). No decurso da conversa, esta especialista abordou os temas da complexa realidade linguística deste país africano e das características do ensino de línguas, nomeadamente o português.
Moçambique: um país multilingue de língua oficial portuguesa
Moçambique caracteriza-se por uma grande variedade linguística, cultural e étnica. A professora Marta Sitoe explica que neste país «existem mais de 20 línguas de origem bantu, que são as línguas maternas de uma grande parte da população». Já o português tem o estatuto de ser a única língua oficial do país. Quer isto dizer que este idioma é o usado pelo governo e as instituições públicas na comunicação interna e internacional. Para além disto, Marta Sitoe sublinha que a língua portuguesa é também importante, «porque permite o acesso de muitos moçambicanos às instituições, aos serviços, à educação, ao poder e, se calhar, à globalização».
O facto de Moçambique ser um país com várias línguas e grupos étnicos faz com que, tal como esclarece Sitoe, «não se enquadre muito bem no conceito prototípico de nação». Neste sentido, o português serve não só para a união e coesão nacional, mas também ajuda «a perspetivar Moçambique enquanto nação, porque permite a comunicação de Nampula a Maputo». Para além disto, esta especialista defende que o facto de alguém não saber exprimir-se em português dificulta imenso a «possibilidade de ascensão social e económica». Por conseguinte, a língua portuguesa também desempenha um importante papel ao nível do combate da segregação social.
Quanto à convivência do português com as outras línguas nacionais, Marta Sitoe aponta que, do ponto de vista das atitudes dos falantes, a relação é pacífica. Todavia, no que concerne à política linguística, considera que «há ainda muito para fazer», uma vez que muitas das políticas adotadas pelo governo moçambicano e direcionadas para a língua são ainda «da época colonial», ou seja, tem existido «uma posição mais privilegiada em relação ao português, desvalorizando bastante as línguas nacionais». Neste âmbito, o português tende a ser dominante em relação às outras línguas nacionais, o que inclusive exponencia o risco de algumas delas desaparecerem.
O domínio da língua portuguesa em território moçambicano é sobretudo notório nas zonas urbanas, onde uma parte da população até já tem este idioma como materno. Deste modo, o português tem, segundo Marta Sitoe, vindo «a consolidar-se em Moçambique», tendo-se inclusive verificado um número crescente de falantes e pessoas que o adquirem como língua materna.
Veja aqui o vídeo da primeira parte da entrevista: