A partir da independência de Moçambique, em 25 de junho de 1975, teve início um importante processo de difusão e valorização do português. A associação desta língua com o prestígio e ascensão social e uma forte expansão da rede escolar têm contribuído para o alargamento dos contextos de utilização do português. Segundo a obra Padrão Linguístico em Moçambique, «a concentração de falantes de português na geração daqueles que nasceram após a independência pode ter a ver com a expansão do uso desta língua, que se verifica desde 1975, sobretudo através da escola» (pág. 67). Quer isto dizer que o ensino do português neste país tem desempenhado um papel relevante na sua difusão.
Na verdade, a língua de ensino em Moçambique é o português, já que esta também é a língua oficial do país. Contudo, o facto de o número de falantes de línguas bantas estar, nomeadamente nas áreas urbanas, em declínio, beneficiando exclusivamente o português, tem suscitado uma discussão em torno da aposta num ensino bilingue e multilingue, que contemple não só o português como também as línguas bantas na oferta formativa das escolas. Portanto, de modo a conhecer um pouco melhor o funcionamento do ensino do português em Moçambique, o Ciberdúvidas conversou com a professora e investigadora Marta Sitoe, da Universidade Eduardo Mondlane, sobre questões relacionados com o ensino neste país.
Segundo Sitoe, atualmente existem duas modalidades de ensino em Moçambique: o ensino monolingue, em que os conteúdos são lecionados exclusivamente em português, e o ensino bilingue, que estipula uma aprendizagem dos conteúdos da 1.ª à 5.ª classe na língua materna da criança. Neste último caso, o português é inicialmente ensinado numa disciplina de língua, sendo a sua utilização nas atividades letivas dos estudantes apenas implementada a partir da 6.ª classe. Esta professora explica que a aprendizagem do português em Moçambique nas duas modalidades «começa logo no ensino primário, sendo que no caso do ensino monolingue, o português é o principal instrumento de transmissão dos conteúdos».
De acordo com os últimos censos realizados no país, em 2017, a população moçambicana com português como língua materna rondava cerca de 21,6%. Esta realidade leva a que, do ponto de vista didático, o português, tal como assinala Marta Sitoe, seja «perspetivado como uma língua segunda», ou seja, é sobretudo ensinado como um idioma não materno. Contudo, esta investigadora assume que existem ainda muitos problemas e dificuldades associadas ao ensino de português em Moçambique.
Dificuldades e principais desafios do ensino do português em Moçambique
Um dos grandes problemas do ensino do português em Moçambique é, como indica Sitoe, a pouca capacidade para habilitar falantes que sejam «usuários competentes de língua portuguesa». Existem, por exemplo, dificuldades em desenvolver competências ao nível da oralidade formal e da escrita, o que depois acaba por se refletir nas produções de muitos falantes.
Outro problema também identificado por esta investigadora é o facto de nas escolas em que vigora o ensino bilingue não haver uma grande interação entre os professores de português e os professores de línguas bantas. Marta Sitoe considera que «seria interessante os professores de português perceberem melhor como é que se dá a transição das línguas bantas para o português e como é que o ensino desta língua funciona nesses contextos».
Para além disto, em ambas as modalidades de ensino existem fortes preocupações em ensinar a norma do português europeu, o que, segundo Sitoe, «não é favorável ao multiculturalismo e à pluralidade linguística». Todavia, esta professora reconhece que já há um esforço feito no sentido de incluir nos conteúdos propostos a realidade multilinguística e as especificidades do português neste país. Exemplo disso são os manuais de português, da autoria de professores moçambicanos, cujos textos já têm a preocupação de relatar a realidade cultural moçambicana. Porém, este esforço ainda não é totalmente bem-sucedido, visto que «a tendência ainda é privilegiar a norma do português europeu e não tanto uma variedade local».
Por fim, um outro desafio igualmente apontado por Marta Sitoe diz respeito à formação de professores, na medida em que ainda não há, em Moçambique, uma visão comum daquilo que se pretende com o ensino. Esta investigadora explica que não existe uma articulação coerente entre universidades, centros de formação, escolas e líderes pedagógicos. Por ser tratar de um meio conservador, há alguma resistência por parte das direções de muitas escolas em receber novas metodologias de ensino e dar espaço aos professores para as implementarem. Além disso, os professores têm poucas oportunidades para investirem na sua formação ao longo da carreira.
O ensino em Moçambique está ainda na fase de massificação, embora existam algumas preocupações em melhorar a sua qualidade, o facto é que faltam para já medidas pedagógicas concretas para garantir essa qualidade. No entender de Marta Sitoe isso poderia começar por fazer com que houvesse um diálogo constante entre as universidades e as escolas, pois «os resultados dos estudos que estão a ser feitos neste momento não estão a chegar às escolas. Então, seria interessante fazer algumas diligências para levar o conhecimento que existe nas universidades para as escolas».
Veja o vídeo (dividido em duas secções) da segunda parte da entrevista aqui:
Primeira Secção
Segunda Secção