Podemos ler, por estes dias, ou ouvir, principalmente vindo de falantes mais jovens, pertencentes às gerações millennials ou da Geração Z: «O que leva as pessoas a darem ghost?» ou «"Dar" Ghosting: um presente que ninguém quer receber». Parece que este fenómeno de «dar ghost/ghosting» conquistou espaço e atenção no panorama das relações modernas. Mas do que se trata isto e qual a origem da expressão?
Para compreender, remontemos às raízes antigas da palavra ghost. Originária do inglês antigo gast, abarca significados que vão desde «respiração» até «espírito bom ou mau, anjo, demónio; pessoa, homem, ser humano». Na conotação bíblica, o seu significado prende-se com «alma, espírito, vida». Esta palavra foi herdada da sua forma protogermânica ocidental gaistaz, supondo-se que proceda de uma raiz indo-europeia, gheis-, usada na construção vocabular vinculada às noções de excitação, espanto ou medo. Já a ideia de um espírito ou alma associada à palavra ghost – a transição da palavra ao longo das diferentes fases do inglês levou a esta atual grafia – perpetua-se através das línguas germânicas ao longo da história (Online Etymology Dictionary).
Ademais, ghost pode também figurar num verbo composto, to ghost-write («escrever como fantasma»), de 1922, formado a partir de ghost-writing («escrita-fantasma»), de 1919 (Ibidem). Falamos, portanto, de alguém que é contratado para escrever um livro, por exemplo, em nome de outra pessoa, que assina o documento.
Recentemente, como antecipado nos títulos das notícias supracitados, o termo ghost ou ghosting (não havendo consenso quanto à forma utilizada) emerge como sinónimo de desaparecimento. Portanto, «dar ghost/ghosting» – ou «fazer ghost/ghosting», a expressão também surge associada a este verbo – usa-se para se referir ao «modo de acabar uma relação amorosa, que se caracteriza pela forma abrupta e inesperada como a pessoa que pretende terminar o relacionamento o faz, desaparecendo sem explicações e evitando qualquer tipo de comunicação posterior com o parceiro abandonado» (Infopédia). De facto, talvez alusiva à conceção de que um fantasma ou espírito pode manifestar-se e desvanecer-se sem aviso prévio, esta expressão ganha notoriedade à medida que as interações em linha, por meio das redes sociais, se tornam mais comuns. Assim, é no início do século XXI que a linguagem incorpora uma nova expressão e os termos ghost e ghosting ganham uma nova conotação, mas é nos últimos anos que ela se destaca de maneira proeminente (Coelho, Patrícia, Hildebrand, Hermes. "Ghosting" e "mooning": rompimentos de relacionamento na internet).
Não obstante, também se levanta a questão sobre a razão de não se adotar um termo vernáculo. Talvez essa decisão derive do facto de que tal expressão integra o discurso de uma geração em que o português e o inglês coexistem, assumindo-se que muitas dessas locuções perderiam seu impacto se traduzidas. No entanto, mesmo assim, parece plenamente aceitável designar o evento em português como um desaparecimento – «ele desapareceu» – ou usando o verbo sumir – «ele sumiu» (sugestão num artigo no site brasileiro techtudo).
Como tal ainda não aconteceu, não estranhe, por isso, se um jovem lhe disser que alguém lhe deu ghost/ghosting, querendo com isso dizer, simplesmente, que essa pessoa desapareceu ou rompeu os laços comunicativos de forma abrupta e sem dar explicações. Mas, perceba-se que neste cenário das relações modernas, «dar ghost» vai além das palavras, tornando-se uma narrativa silenciosa que se desenvolve nas interações digitais.