1. Um ano é o tempo da pandemia do novo coronavírus no planeta. Um ano que alterou profundamente as relações sociais e que introduziu a desconfiança como uma reação comum a determinadas classes profissionais que lidam com a covid-19 no seu quotidiano. Um ano que levou a humanidade a olhar constantemente para a «curva de infeções», reagindo em função da sua evolução e contabilizando as baixas que a doença provoca num registo de «certificados de morte». Um ano que levou à redescoberta de que «cuidar de si é cuidar dos outros» e à perceção de que as «bolhas domésticas» poderão garantir alguma segurança contra a doença. Um ano que traz agora a esperança numa vacina, tão importante e complexa que levou à constituição de um sistema de «rede frio» e à criação da COVAX, a aliança mundial para gerir tudo o que se relaciona com as vacinas, que só poderão funcionar se forem transportada em condições extremas de frio em «caixas térmicas» especiais. Um ano que continua caótico a vários níveis, o que obrigou à criação de equipas como a NAD, que ajuda a gerir internamentos hospitalares, ou a medidas de apoio económico como o SURE, sendo certo que a «ajuda humanitária» é agora mais necessária do que nunca porque «o túnel é ainda muito comprido». As palavras / expressões destacadas passaram, assim, a integrar o glossário A covid-19 na língua, marcando mais um dos momentos da pandemia.
2. A construção interrogativa «o que será dele?» afigura-se de análise complexa e oferece dúvidas no momento de classificar sintaticamente os seus constituintes. Nesta resposta, que integra a atualização do Consultório, ensaia-se uma interpretação do fenómeno. Também de natureza sintática é a questão que levanta a hipótese de o verbo ser concordar com o seu predicativo do sujeito, numa frase de Luís Fernando Veríssimo, e a que avalia a classificação de uma oração introduzida por «sem que». Em duas outras respostas explica-se um caso particular de parataxe e considera-se a possibilidade de uma frase interrogativa poder ser classificada como imperativa. No âmbito dos tempos verbais, apresentamos uma síntese que aborda as diferenças semânticas entre o uso do presente do conjuntivo e o do futuro do conjuntivo. Comenta-se também o uso de «portanto que» em lugar de «tanto que» e o valor do sufixo -eiro no gentílico brasileiro. Uma outra questão aborda a significação das palavras putreia e potreia em Aquilino Ribeiro. Por fim, uma possível explicação para a formação do topónimo Fronteira, uma vila do Alto Alentejo, em Portugal.
3. Os estrangeirismos entram constantemente na língua portuguesa pela necessidade de se referirem novas realidades. A palavra inglesa cyberbullying é deste facto um exemplo. Esta realidade linguística coloca, por vezes, o problema de a língua de chegada não possuir um termo preparado para garantir uma tradução que possa abarcar os eixos significativos da palavra de origem. Cyberbullying coloca ainda o problema da realidade social que descreve, como analisa a professora Carla Marques no seu apontamento «Traduzir "cyberbullying" ou acabar com a palavra?», disponível na rubrica O Nosso Idioma.
4. Eduardo Lourenço, eminente ensaísta, filósofo, escritor, conselheiro de Estado, faleceu no dia 1 de dezembro. Deixa-nos um dos maiores pensadores da cultura portuguesa, que refletiu de forma ímpar sobre o "ser português" e sobre o lugar de Portugal na Europa. Um homem de pensamento poliédrico que encetou um profícuo diálogo com a obra pessoana, do qual resultou uma perspetiva que ofereceu toda uma nova visão sobre Fernando Pessoa. Galardoado com diversos prémios, entre os quais os prestigiados prémios Pessoa (2011) e Camões (1996). Fica para a posteridade a sua extensa e tãodiversificada obra, de perto de meia centena de títulos – como, por exemplo, O Fascismo nunca Existiu, O Labirinto da Saudade, Fernando, Rei da Nossa Baviera ou Heterodoxia. É ainda de mencionar o artigo "A chama plural"*, que Eduardo Lourenço dedicou à língua portuguesa, escrito em 1992 para o Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo, coordenado pelo historiador António Luís Ferronha, e onde afirma:
«Descobre-se que a língua não é um instrumento neutro, um contingente meio de comunicação entre os homens, mas a expressão da sua diferença. Mais do que um património, a língua é uma realidade onde o sentimento e a consciência nacional se fazem “pátria”.»
* "A chama plural" consta também do livro A Nau de Ícaro seguido de Imagem e miragem da Lusofonia (1999) e de Obras Completas – Tempo Brasileiro: fascínio e miragem, Vol. IV (2018).
5. Uma nota de pesar, também, pelo falecimento do escritor e poeta cabo-verdiano Teobaldo Virgínio, no dia 3 de dezembro, nos Estados Unidos, onde residia em Boston. Foi autor de uma vasta obra poética e ficcional, inspirada em Santo Antão, sua ilha natal. Deixou doze volumes publicados – tais como Distância, Vida Crioula, O Meu Tio Jonas, Folhas da Vida e Gaudêncio, o Filho Errante. Mais informação aqui.
6. A escritora brasileira Clarice Lispector faria a 10 de dezembro 100 anos. Esta data motiva um conjunto muito alargado de eventos que, no centenário do nascimento da autora, recordam e homenageiam a sua obra, tanto no Brasil como em Portugal. Autora de romances e contos variados, Clarice Lispector apresenta uma obra de densidade psicológica, que continua a ser lida e aclamada um pouco por todo o mundo. Em Lisboa, assinalam-se ainda os centenários dos poetas e escritores Mario Benedetti e Olga Orozco, num ciclo intitulado «Três vezes cem».
Cf. Os cem anos de Clarice Lispector
7. É facto conhecido que há contextos laborais que recusam candidatos que falem a variante brasileira do português. São as injustiças motivadas por este preconceito que motivam a crónica da linguista Margarita Correia (divulgada no Diário de Notícias e aqui transcrita com a devida vénia).
8. Numa das suas crónicas habituais, o professor e tradutor Marco Neves questiona, desta feita, a origem da palavra japonesa arigato, que goza da fama de ter origem portuguesa (crónica divulgada no blogue do autor Certas Palavras e aqui transcrita com a devida vénia).
9. Os programas televisivos de talentos raramente promovem a língua portuguesa, preferindo o que se produz em língua inglesa. É este o lamento de um leitor do jornal Público face ao que se verifica no programa The Voice Portugal, da RTP1, o que o leva a falar de «Desprezo pela língua portuguesa».
10. Eça de Queirós é considerado um dos mestres da prosa portuguesa, servindo como modelo de escrita ou de oralidade. Todavia, afirmar sobre o autor que «escreve bem» acaba por ser uma expressão redutora e quase ofensiva para um «enorme escritor», como defende Luís Filipe Castro Mendes, poeta, diplomata e ex-ministro da Cultura português, num artigo publicado originalmente no Diário de Notícias.
11. No âmbito da atualidade noticiosa, registe-se:
— O lançamento do hino solidário «Para quem depois vier», da autoria do cantor Sebastião Antunes, para a Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) AIDGLOBAL – Ação e Integração para o Desenvolvimento Global, num projeto que juntou 15 artistas portugueses e moçambicanos. Ouvir aqui.
— A realização da Web Summit 2020, que decorre em Lisboa entre 2 e 4 de dezembro, num evento realizado completamente em formato digital, que conta com mais de 800 oradores convidados.
Este evento levanta, mais uma vez, a questão da defesa da língua portuguesa, atendendo a que o evento é realizado em língua inglesa, o que motiva que se traga à memória aberturas como «A evolução de plafom, o cinema no Cuidado com a Língua!, a invasão linguística da Web Summit e os alertas de Jorge de Sena», «10 novas respostas no consultório do Ciberdúvidas, a Web Summit 2017 e (um)a Urban Beach à beira-Tejo» e «No Dia da Mobilidade, palavras de maior trânsito nos usos do português, o regionalismo prosmeiro e os anglicismos Web Summit e start-up» ou respostas do Consultório como «Web Summit, start-up e feature: como usar em português?»
12. Nos programas de rádio produzidos pela Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacamos a evocação de Eduardo Lourenço, num depoimento do professor universitário Carlos Reis, no Páginas de Português, da Antena 2 (no domingo, 6 de dezembro , pelas 12h30*; com repetição no sábado seguinte, 12 de dezembro, às 15h30*) e a entrevista à professora universitária Ana Boléo sobre o tema da oralidade na aprendizagem do português língua estrangeira, no Língua de Todos, da RDP África (no dia 6 de dezembro, pelas 12h30*, com repetição no sábado seguinte, 12 de dezembro, às 15h30*).
* Hora oficial de Portugal continental, ficando os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.