1. O acordo alcançado na cimeira da ONU sobre as alterações climáticas (COP28), que terminou no Dubai em 12/12/2023, suscita reações divergentes, enquanto aumenta o aquecimento global e se fala de 2023 como o ano mais quente de sempre. Acrescem os conflitos armados, o mais trágico dos quais em Gaza, donde vêm notícias e imagens apocalípticas, a ponto de apocalíptico se tornar a palavra mais pesquisada em 2023 no dicionário eletrónico Priberam (ver Notícias). Cabe, portanto, assinalar que apocalíptico é adaptação do grego apokaluptikós («que revela, que descobre»), adjetivo derivado do vocábulo apokalúpsis («ato de descobrir, descoberta; revelação»), por sua vez formado do verbo apokalúptō («desmascarar, forçar a falar; revelar») e transmitido ao português e outras língua modernas por via do latim tardio apocalypsis (cf. Dicionário Houaiss). Em português, o uso de apocalipse, que pode ser sinónimo de catástrofe, já vem da Idade Média e tem enorme significado religioso, porque, no Novo Testamento, dá nome ao último livro, o que contém revelações e visões sobre o fim do mundo. Quanto à sua autoria, o Apocalipse terá sido escrito pelo apóstolo e evangelista João na ilha grega de Patmos – local que também foi notícia em 2023 a propósito do drama dos imigrantes e refugiados que arriscam a vida a atravessar o Mediterrâneo para chegar à Europa.
Na imagem, "A mulher no Sol e o dragão" (fól. 153v), ilustração do Apocalipse de Lorvão, códice de 1189, que se encontra no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa (digitalização e outra informação disponíveis aqui). O Apocalipse de Lorvão é um pergaminho com 223 folhas que pertenceu ao mosteiro de S. Mamede de Lorvão, de onde foi trazido para a Torre do Tombo por Alexandre Herculano (1810-1877). O seu conteúdo baseia-se no comentário do Beato de Liébana, do séc. VIII.
2. Pode lamentar-se a falta de interesse dos editores anglo-saxões pelas literaturas em português, mas noutros universos linguísticos constatam-se grande atenção e muitas traduções. É o caso da popularidade da obra de José Saramago em turco, conforme o testemunho de Jessica Mendes na rubrica Literatura.
3. Intensifica-se o debate sobre o futuro da unidade da língua portuguesa face a tendências centrífugas cada vez mais fortes. O português do Brasil tem tradição normativa própria e impõe-se pela demografia; por seu lado, Angola apropria-se cada vez mais do idioma, mas confere-lhe características próprias. Entretanto, em Portugal, a língua não estagnou, muito pelo contrário, adquirindo traços inconfundíveis, como se mostra Vítor Barros em Gramática do Português Europeu, um livro publicado pelas Edições Colibri e agora apresentado em Montra de Livros.
A consideração de diferentes normas para o português convoca o conceito de «língua pluricêntrica», acerca do qual se pode consultar "A gramática e o conceito de língua pluricêntrica", "Como se ensina uma língua pluricêntrica?" e "Para uma língua efetivamente pluricêntrica".
4. Já aqui foi comentada a frase de efeito cómico «fi-lo porque qui-lo» (ou melhor, de forma mais correta, «fi-lo porque o quis»), que tem sido atribuída ao presidente brasileiro Jânio Quadros (1917-1992). No Consultório, explica-se a forma qui-lo, entre outros tópicos, num total de nove respostas nesta atualização: a concordância em «Roma e Pavia não se fizeram num dia»; o significado do verbo ocorrer; a expressão «de presente»; a construção de uma enumeração por um polissíndeto; a diferença entre «para eleger» e «por eleger»; o fecho de uma carta formal; o pronome aquilo seguido de construção relativa; e o uso nominal de exposto.
5. Nas Controvérsias, inclui-se um apontamento do meteorologista Manuel Costa Alves, sobre o sentido implicitamente inclusivo de saudações como «bom dia», «boa tarde» e «boa noite».
6. Registos da atualidade com incidência em temas da língua portuguesa:
– a realização em 15/12/2023, a partir da Universidade de Évora, do VIII Congresso Internacional História e Língua: Interfaces, subordinado ao tema "O Português como Língua Pluricêntrica" (evento em linha);
– o comunicado da Faculdade de Comunicação, Arquitetura, Artes e Tecnologias da Informação da Universidade Lusófona, no Porto, no qual se apresentam resultados preliminares de um estudo que revelam que 53% dos universitários recorre a Inteligência Artificial para estudar e realizar trabalhos (ver Jornal de Notícias, 14/12/2023).
7. A respeito de três dos programas que a rádio pública portuguesa dedica ao idioma comum:
– Em Língua de Todos (RDP África, sexta-feira, 15/12/2023, 13h20*; repetido no dia seguinte, c. 09h05*), conversa-se com Márcio Undolo, professor associado do departamento de Ensino da Língua Portuguesa do Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela (Angola), sobre a recente publicação do livro eletrónico Português de Angola: fonologia, sintaxe e lexicografia.
– Em Páginas de Português (Antena 2, domingo, 17/12/2023, 12h30*; repetido em 23/12/2023, 15h30*), entrevista-se a linguista e professora universitária Esperança Cardeira (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) a respeito da sua mais recente obra, Gramática Histórica do Português Europeu, editada no Brasil.
– Mencione-se ainda Palavras Cruzadas, programa realizado por Dalila Carvalho e transmitido na Antena 2, cujas emissões de 18 a 22/12/ 2023 (de segunda a sexta-feira, às 09h50 e às 18h30) tem por mote os termos empregados na gastronomia e na restauração.
8. Por último, informa-se que o Consultório estará encerrado no período de Natal, de 15/12/2023 a 02/01/2024, ficando inativo o formulário para o envio de dúvidas. As atualizações regulares são retomadas em 5 de janeiro, sexta-feira. Durante esta pausa, poderão ser divulgados novos conteúdos relacionados com a atualidade e a história da língua portuguesa. Mantém-se também aberto o acesso a todo o extenso arquivo do Ciberdúvidas – perto de 38 000 respostas no Consultório e mais de 12 000 artigos nas demais rubricas. A todos os nossos consulentes, votos de umas excelentes Festas!