Em novembro de 2023 estive na Turquia e, tendo sido a minha primeira vez no país, ia à espera de encontrar várias coisas que me surpreendessem, desde logo, a religião, que é bastante diferente da que é tradicional em Portugal.
Fui preparada, portanto, para usar um lenço na cabeça e descalçar-me sempre que entrasse nas mesquitas. Preparei-me também para encontrar gatos em todos os cantos e mares de gente (e, de certa forma, para um contraste entre ricos e pobres menos acentuado do que aquele que realmente encontrei). Mas ninguém me preparou para o que encontrei nas livrarias que visitei tanto em Istambul como em Trabzon (ou Trebizonda), uma cidade bastante mais pequena, na parte asiática, junto ao Mar Negro, já perto da fronteira com a Geórgia.
Em todas as livrarias onde entrei houve uma coisa em comum que me chamou a atenção: livros e livros de José Saramago. Tenho por hábito, sempre que vou a outro país, entrar em, pelo menos, uma livraria e procurar por um livro do Saramago. Fui sempre bem-sucedida: encontrei o Ensaio sobre a Cegueira na Grécia, na Alemanha, na Dinamarca e afins. Requereu sempre ir à parte em que os autores estão organizados por ordem alfabética e procurar no S.
Na Turquia, em nenhuma das livrarias foi preciso procurar, porque havia um destaque bastante grande para o Nobel português. Primeiro, foi em Istambul, numa livraria dedicada sobretudo aos livros em inglês. Havia muito pouca oferta de livros em turco, mas lá estavam cinco livros de Saramago traduzidos para o idioma local.
Em Trabzon, numa livraria que encontrei por acaso no centro da cidade, a primeira estante que vi assim que entrei tinha, na prateleira ao nível dos meus olhos, apenas Saramago. Noutra secção da livraria, tínhamos o Ensaio sobre a Cegueira com o mesmo destaque de, por exemplo, A Ilha das Árvores Desaparecidas, da multipremiada Elif Shafak.
Os livros têm todos capa amarela e um desenho ilustrativo do seu título/conteúdo e, por isso, era fácil identificá-los. O exercício de tentar adivinhar o nome original do livro através da ilustração foi algo que me ocupou alguns minutos.
FOTOS DAS EDIÇÕES TURCAS
(De cima para baixo e da esquerda para a direita: Todos os Nomes, Caim, As Intermitências da Morte, O Homem Duplicado, Ensaio sobre a Lucidez, A Viagem do Elefante, Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis, História do Cerco de Lisboa, Ensaio sobre a Cegueira)
Mesmo sem falar turco, conseguimos rapidamente perceber que o título do Memorial do Convento é adaptado, da mesma forma que se fez, por exemplo, na versão inglesa, usando os nomes das personagens principais da história: Baltasar ve Blimunda, isto é, «Baltasar e Blimunda». No caso do Ensaio sobre a Cegueira e do Ensaio sobre a Lucidez verifica-se a mesma lógica, pois, tal como nas versões inglesas, foi usada somente uma palavra em cada caso: Körlük («cegueira») e Görmek («lucidez»). Os títulos mantêm-se, assim, bastante fiéis ao original, com a exceção talvez de As Intermitências da Morte que, em turco (Ölüm Bir Varmış Bir Yokmuş), se traduz, de forma literal, como “A morte era uma vez”. Não deixa de ser curiosa esta tradução do nome da obra, sobretudo se tivermos em conta o conteúdo do livro e a sua segunda parte, focada, essencialmente, no ponto de vista da morte enquanto personagem da história.
Fiz aquilo que se impunha e, tendo ido nesta viagem em trabalho, pude perguntar diretamente a pessoas locais se, de facto, o autor português é famoso na Turquia ou se foi um acaso ter-me cruzado com tantos dos seus livros. As minhas suspeitas confirmaram-se. Os turcos conhecem e leem Saramago. Não serão todos, claro, mas não se dá destaque numa loja a um produto que não vende ou vende apenas medianamente.
Não tenho dados sobre os autores estrangeiros mais vendidos na Turquia (não os encontrei online), e certamente aqueles que mais recentemente têm ficado famosos devido às redes sociais estarão no topo da lista, mas parece-me, depois de observação e conversa, que José Saramago estará, sem dúvida, num bom lugar. Havia livros do português em todo o lado, inclusive no aeroporto de Trabzon, um aeroporto pequeno com uma “livraria” de apenas uma estante, introduzida num pequeno café.
Numa pesquisa online, já depois de ter voltado a Portugal, encontrei aquele que será o site mais usado para compra de livros. A secção dos bestsellers («os mais vendidos») está, obviamente, repleta de livros de autores nacionais e de outros estrangeiros publicados há pouco tempo e muito falados mundialmente. Curiosamente, na página inicial do site, num anúncio de descontos da Black Friday, o livro em destaque nesse mesmo anúncio é o Ensaio sobre a Lucidez. Quando abrimos o anúncio e somos encaminhados para os descontos em si, por defeito, a ordenação da página é de acordo com os bestsellers. Ora, em primeiro lugar temos o Ensaio sobre a cegueira e em quarto temos o Ensaio sobre a Lucidez. Nos primeiros 100, temos, ao todo, oito livros de José Saramago. Atualmente, todos os livros do português estão traduzidos em turco.
Dias depois, em Lisboa, passei pela Livraria Bertrand e fui em busca de traduções do Nobel da Literatura turco e procurei pelo nobel turco Orhan Pamuk. Encontrei O Museu da Inocência em Istambul, ambos no ordenamento alfabético, sem mais destaque que outras obras. Talvez seja disparatada a comparação da livraria lisboeta com as livrarias turcas, entre o pouco relevo dado a Pamuk numa e a popularidade de Saramago nas outras, mas é uma diferença que me surpreende. Se já era um país que me fascinava, agora que sei que os Turcos têm extremo bom gosto literário, a Turquia fascina-me ainda mais.