Se o consulente se refere a regras de colocação do acento tónico aplicáveis a todas as formas portuguesas de topónimos estrangeiros, respondo que parece não haver, porque a formação de tais aportuguesamentos variou ao longo do tempo — e digo "parece", porque não conheço estudos sistemáticos sobre o assunto. Durante muito tempo, a transmissão, oral ou escrita, dos nomes estrangeiros foi muitas vezes feita indirectamente, mediante línguas com as quais o português tinha contacto mais estreito (árabe, castelhano, francês antigo). Por exemplo, Londres tem acento na penúltima sílaba como London, mas é um empréstimo do francês normando Londres, em que as formas latinas de origem celta Londinium ou Lundonia foram influenciadas pelo escandinavo lundr, «bosque», ao qual se associa a desinência de nominativo -s do francês antigo (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).
Noutros casos, a acentuação da forma portuguesa diverge da estrangeira em virtude de adaptações à distribuição de consoantes típica do português. Por exemplo, a forma estarique, que ocorre pelo menos num documento de 1484, é afinal a reprodução «[...] da pronúncia flamenga do voc[ábulo] que significa Áustria», segundo José Pedro Machado (Machado, op.cit.). Sendo a forma neerlandesa actual Oostenrijk, equivalente à alemã Österreich, com acento principal no oo- de oosten e acento secundário em rijk — e pressupondo que estas formas neerlandesa e alemã não são muito diferentes das do século XV —, o que vemos no aportuguesamento é a adição de uma vogal de apoio à consoante velar surda [k], que em português não pode terminar palavra, formando-se uma nova sílaba, -que. Quanto ao acento, a configuração portuguesa de finais do século XV sugere a fixação de um acento principal na primeira sílaba de -rique, sequência de duas sílabas resultantes da reanálise de -rijk (ou -reich). Por outras palavras, o acento não se mantém exactamente na mesma posição no aportuguesamento do nome, porque se aplicaram padrões fonotácticos típicos do português do século XV que ainda hoje são em grande medida válidos.
Contudo, em aportuguesamentos mais recentes, confirma-se a tendência observada pelo consulente, a de as formas escritas serem lidas «à portuguesa», isto é, associando aos grafemas conhecidos os valores fónicos que lhes correspondam em português. Reconheça-se que este processo pode revelar-se arbitrário, sobretudo na pronúncia a atribuir a certos grafemas. Mesmo assim, do ponto de vista da atribuição de acento, detecta-se alguma coerência, visto todos os exemplos apresentados na pergunta serem proferidos como paroxítonos.
Face à diversidade de tradições e critérios subjacentes ao aportuguesamento de topónimos estrangeiros, importa que essas formas estabilizem mediante fixação em dicionários ou vocabulários ortográficos reconhecidos. A respeito das formas portuguesas mencionadas na pergunta, verifica-se que estas estão registadas em vocabulários ortográficos, antigos ou mais recentes. Assim, Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, publicado em 1966, regista Arcansas, Otava1 e Adis Abeba. Ancara2 e Bamaco encontram-se quer no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), da Porto Editora, quer no Vocabulário Ortográfico do Português (2010), do ILTEC.
Quanto à falta de uniformidade que o exemplo Florida/Flórida pode reflectir, já Rebelo Gonçalves (op. cit) considerava que Flórida era forma inexacta. No fundo, trata-se de mais um caso ilustrativo de como cada palavra e, principalmente, cada nome próprio têm a sua história, como se confirma em Machado (op. cit.):
«[...] Apesar do domínio esp[anhol] sobre a Florida se ter prolongado até 1819 (apenas com o interregno de 1763 a 1783), quando esteve submetida aos Britânicos), em breve a língua inglesa se generalizou por lá, ao mesmo tempo que a importância local concorria para que o correspondente topónimo ultrapassasse fronteiras e outros povos o aceitassem, mas conforme a pronúncia saxónica. Daí a a acentuação esdrúxula (Flórida) ser tão vulgar no Brasil como em Portugal, se bem que os puristas tenham conseguido aqui certo êxito com a grave mais aconselhável [...]»
Em relação ao facto de indivíduos de outras comunidades linguísticas deturparem os nomes portugueses que lhes sejam desconhecidos ou para os quais não disponibilizem de formas estáveis nas línguas respectivas, direi que esse comportamento se encontra dentro do que é de esperar. Cada língua tem os seus próprios padrões linguísticos e as suas tradições.
Em resumo, há de facto inconsistências na colocação do acento tónico no aportuguesamento de topónimos estrangeiros. Todavia, penso que esta realidade não tem de ser totalmente corrigida, porque em muitos casos estamos a discutir formas que se fixaram por tradição nas comunidades de língua portuguesa.
1 É possível que a forma Otava tenha sido mediada pelo francês, que tende ou tendia a generalizar a pronúncia [v] na leitura de todos os ww, mesmo os de proveniência anglo-saxó}nica. No entanto, não encontro fonte que confirme esta minha hipótese.
2 Um reparo à transcrição fonética de Ankara em turco: segundo artigo da Wikipedia, a palavra é acentuada na primeira sílaba — [ˈaŋkara]. Em turco o acento de palavra recai normalmente na última sílaba mas é menos previsível em nomes próprios. Quanto à história recente do aportuguesamento deste nome, refira-se que Rebelo Gonçalves (op. cit.) não regista Ancara, mas apresenta Ancira, do latim Ancyra, nome da capital da antiga Galácia, na actual Turquia. Na definição de ancarense, o Dicionário Houaiss apresenta a seguinte nota etimológica: «o geônimo tem orig[ens] antigas, expressas no gr[ego] Ánkyra, lat. Ancȳra; já nessas orig[ens] a flutuação tônica se justificaria, quer segundo o padrão gr[ego] Âncara, quer segundo o padrão latim Ancara; a forma tradicional port[uguesa] também é flutuante, próxima do lat[im] em Angora e sob infl[uência] fr[ancesa] em Angorá; o top[ônimo], adotado oficialmente pelo governo republicano turco, é Ankara, aportuguesado Ancara [...].»