A (não) uniformização da grafia das palavras de origem africana entradas no português em Angola abordada nesta crónica do jornalista e professor Edno Pimentel, publicada no semanário luandense Nova Gazeta, do dia 18/06/2015. Um tema polémico em Angola, como damos nota nalguns textos relacionados, ao lado.
Todos nós sabemos – acho eu – de onde surgiu o nome de um dos mais conhecidos estilos de música e, por arrasto, de dança. Não havia, até há bem pouco tempo, consenso sobre quem seria o seu criador. Mas não temos dúvidas de que o estilo mereceu esse nome pela forma peculiar como os bailarinos (para os mais puristas, dançarinos) de Toni Amado remexiam a mbunda.
Sim, era mesmo a mbunda que eles abanavam e rebolavam e que, mais tarde, viria a dar origem ao famoso internacional angolano kuduro, cuja grafia, não sei por que motivo, é registada com a letra k. Mas... pronto. Talvez seja para servir de despiste ao verdadeiro sentido do neologismo. Mas se o novo vocábulo formado por justaposição tem os dois elementos vindos do português, tinha de ser grafado com a letra c. Falei.
Ora, Talapaxi, um kamba do Facebook, assustou-se ao ler na TPA: «Roubo de gado preocupa autoridades tradicionais no Cwanhama.» Ironicamente, acredito, o meu amigo entendia que a nossa televisão «estava mbora* a fazer a parte dela». E eu concordo. Quem é a TPA para definir como as palavras devem ser escritas? Em vários encontros com renomados linguistas angolanos, já se discutiu a uniformização da grafia das palavras da língua portuguesa de origem africana, nomeadamente aquelas vindas das línguas de Angola – como é o caso de Kwanyama.
A letra c representa o som [tch] nas nossas línguas. Só por isso é que escrevemos Côkwe mas pronunciamos [´tchokwe]. Ao escrevermos Cwanhama com c estamos, sem dúvidas, a cometer uma incorrecção.
O fonema [k] das línguas de Angola é representado pela letra k. Os académicos não só sabem disso como têm também alertado para os constantes desvios que se registam na grafia das nossas línguas.
Resta-me saber se a TPA ao escrever «... no Cwanhama» (que seria um topónimo, nome de um lugar) recorreu a um vocábulo português, o que não me parece porque, se quiséssemos adequá-la à língua de Camões, teríamos de grafá-la com a letra u (Cuanhama).
Eu, à semelhança de Talapaxi, também fiquei... assustado e sem o que dizer quando, à entrada da província onde estão localizadas as quedas de Kalandula (e não Calandula), fui recebido com um «seja bem-vindo a Malanje» e, logo a seguir, vi uma esquadra da polícia de ‘Malange’. A letra g é outra ‘maka’ (mais). Ou será mais uma ‘maca’?
* «ainda», corruptela do quimbundo.
Crónica publicada no semanário luandense Nova Gazeta, no dia 18 de junho de 2015, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.