O acento circunflexo usa-se para distinguir formas que têm vogal tónica fechada e são homógrafas de palavras proclíticas, isto é, palavras que não têm acentuação própria (Acordo Ortográfico de 1945, Bases Analíticas, XXII; ver também Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, Coimbra, Atlântida Editora, 1947, págs. 173/174). Deste modo, escreve-se, por exemplo, pêlo (nome) e pelo [contração de per e (l)o]; e escreve-se pêlos (plural do referido nome), não porque esta forma tem de manter o acento gráfico do singular, mas sim porque é necessário distingui-la de pelos (plural da contração também referida).
Seguindo este princípio, usa-se acento gráfico em pêra (nome), para a contrastar com pera (preposição arcaica). Mas já o plural de pêra, peras, não tem acento gráfico, porque «não está em homografia com palavra proclítica» (Rebelo Gonçalves, op. cit., pág. 174, n. 1).
Outros casos similares são (idem, págs. 164 e 174):
– pêro ‘vs.’ pero (conjunção arcaica: «mas, porém»), mas peros, porque não há a homógrafa correspondente;
– pára (3.ª pessoa do presente do indicativo do verbo parar) ‘vs.’ para (preposição), mas paras (2.ª pessoa do presente do indicativo do verbo parar).
Em nome do Ciberdúvidas agradeço as suas palavras finais.
N.E. – Com a entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990 este acento diferencial deixou de existir, grafando-se agora pera, se o acento circunflexo. Tal como estes, muitos outros substantivos sofreram esta alteração (pera, pero, para, pelo, etc.) e é o contexto onde ocorre que os distingue, masntendo-se as respetivas pronúncias. As vogais que eram pronunciadas fechadas (/pêra/ e /pêro/, frutos; ou /pêlo/ de animal) assim se mantêm; tal como as abetertas (/pára/, do verbo parar, por exemplo). Cf.. Bases VIII, 3.º, e IX, 7.º 8.º:
«O novo texto ortográfico estabelece que deixem de se acentuar graficamente palavras do tipo de para (á), flexão de parar, pelo (ê), substantivo, pelo (é), flexão de pelar, etc., as quais são homógrafas, respectivamente, das proclíticas para, preposição, pelo, contracção de per e lo, etc.
As razões por que se suprime, nestes casos, o acento gráfico são as seguintes:
- Em primeiro lugar, por coerência com abolição do acento gráfico já consagrada pelo Acordo de 1945, em Portugal, e pela Lei n.º 5765, de 18 de Dezembro de 1971, no Brasil, em casos semelhantes, como, por exemplo: acerto (ê), substantivo, e acerto (é), flexão de acertar; acordo (ô), substantivo, e acordo (ó), flexão de acordar; cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locução de cor; sede (ê) e sede (é), ambos substantivos; etc.;
- em segundo lugar, porque, tratando-se de pares cujos elementos pertencem a classes gramaticais diferentes, o contexto sintáctico permite distinguir claramente tais homógrafas.»
Cf. Supressão dos acentos nas palavras homógrafas: pelo, para, molho, sede, cor, artigo de Lúcia Vaz Pedro, in "Jornal de Notícias", de 4/10/2015