DÚVIDAS

Acentos: Portugal e Brasil

Quero primeiramente cumprimentar-vos por este sítio na Rede. Sempre ando cá para ver o que há de novo! Ena, sou Brasileiro (de S. Paulo) e amo Portugal. Sou um daqueles que ainda acredita que os brasileiros são (na maioria) portugueses nascidos cá e não "simplesmente surgiram do nada"!!! Fomos a colônia de Portugal por excêlencia e chegamos a ser Reino Unido (nenhuma colônia chegou a tal na história além do Brasil!)
Mas estive a ler neste mesmo sítio que ensinais que o acento original da querida língua de Camões não era outro que o actual reproduzido na Europa, sendo o acento brasileiro modificado pelos negros e índios.
Ena, li em uma revista brasileira chamada Super Interessante de Abril de 2000, por ocasião de comemoração do descobrimento, um interessante artigo à pagina 46 "Falamos a língua de Cabral?". À pagina 48 está escrito:" Luís de Camões (1524-1580) foi o maior poeta da língua. Mesmo assim, o escritor luso António Feliciano de Castilho (1800-1875) achava seus versos péssimos. Há motivo para tal implicância. Um verso de Camões como: 'e se vires que pode merecer-te', que para um poeta brasileiro é um decassílabo perfeito – frase de dez sílabas poéticas –, soa mal ao ouvido de um escritor luso moderno. 'Os portugueses comem as vogais que precedem a sílaba tônica', explica o gramático Evanildo Bechara, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Assim o verso vira 'e se v'res que pode m'recer-te'.Fica só com oito sílabas, estragando a métrica"
Depois acrescentam: "... o hábito de engolir vogais surgiu na Península Ibérica depois do século XVI e consolidou-se na língua aos poucos, naturalmente."
Gostaria que comentásseis esta opinião da revista e que me ajudásseis a perceber esta questão. Desde já agradeço.

Resposta

Castilho gostava e não gostava de Camões. O momento mais agudo dessa animosidade aconteceu em 1862, quando, apresentando D. Jaime ou a Dominação de Castela, de Tomás Ribeiro, sugeriu que este substituísse nas escolas Os Lusíadas – o que levantou acesa polémica, vinda de Ramalho Ortigão e João de Deus. Quanto ao verso citado, é evidente que uma escansão natural conta dez sílabas (e, como se sabe, nós não recitamos como falamos). Mesmo sem o recitarmos, a maioria também lerá dez versos; sendo igualmente certo que, ao contrário de «vires» - que tem de ser lido em duas sílabas -, o verbo «merecer» pode aparecer como «m'rcer». Mas isso, note-se, no português de Lisboa, ele, sim, comedor de sílabas, sobretudo as que comportam átonas. Em resumo: o verso não soa mal ao meu ouvido, nem, felizmente, ao de um brasileiro; razão tem, enfim, a revista para verificar (e lamentar, acrescentemos) o mau exemplo dos falantes que, hoje, são paradigma do português-padrão. No mais, o próprio Castilho, sobretudo enquanto tradutor, respeitava acerrimamente o idioma e as regras da prosódia.

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