Castilho gostava e não gostava de Camões. O momento mais agudo dessa animosidade aconteceu em 1862, quando, apresentando D. Jaime ou a Dominação de Castela, de Tomás Ribeiro, sugeriu que este substituísse nas escolas Os Lusíadas – o que levantou acesa polémica, vinda de Ramalho Ortigão e João de Deus. Quanto ao verso citado, é evidente que uma escansão natural conta dez sílabas (e, como se sabe, nós não recitamos como falamos). Mesmo sem o recitarmos, a maioria também lerá dez versos; sendo igualmente certo que, ao contrário de «vires» - que tem de ser lido em duas sílabas -, o verbo «merecer» pode aparecer como «m'rcer». Mas isso, note-se, no português de Lisboa, ele, sim, comedor de sílabas, sobretudo as que comportam átonas. Em resumo: o verso não soa mal ao meu ouvido, nem, felizmente, ao de um brasileiro; razão tem, enfim, a revista para verificar (e lamentar, acrescentemos) o mau exemplo dos falantes que, hoje, são paradigma do português-padrão. No mais, o próprio Castilho, sobretudo enquanto tradutor, respeitava acerrimamente o idioma e as regras da prosódia.