DÚVIDAS

Vírgulas e modificadores apositivos

Antes de mais, parabéns pelo excelente trabalho realizado neste portal.

A minha questão é sobre a utilização da vírgula numa situação em específico.

Em diversos textos jornalísticos, tenho visto que a vírgula é colocada entre a função de determinada personalidade e o seu nome (exemplo: «Em comunicado, o diretor da Casa-Memória de Camões, António Coelho, refere que...»).

No entanto, já tive professores que me indicaram que a vírgula não deveria ser colocada nestes casos, até porque tinha um valor de restrição (ficando «... o diretor da Casa-Memória de Camões António Coelho refere que...») . Os mesmos professores indicaram, no entanto, que a vírgula deveria ser colocada quando as posições se invertem, isto é, quando surge em primeiro lugar o nome da personalidade e depois a função. Desta forma, a função ganha valor de explicação (exemplo: «Em comunicado, António Coelho, diretor da Casa-Memória de Camões»).

Solicitava uma clarificação sobre este assunto e qual a forma correta de utilização da vírgula.

Obrigado.

Resposta

A questão colocada envolve duas realidades sintático-semânticas de natureza distinta que têm implicações no uso da vírgula.

Por um lado, temos sintagmas nominais constituídos por um nome próprio nuclear e por um classificador do nome próprio, como se observa em (1):

(1) «O doutor Carlos Manuel»

Os classificadores1 associam-se aos nomes próprios referindo categorias nas quais estes se podem incluir. No caso dos antropónimos (nomes de pessoas), o classificador pode «ser realizado lexicalmente através de hipónimos2 como menino(a), senhor(a), incluindo nomes de profissão como arquiteto(a), doutor(a), engenheiro(a)» (Raposo e Nascimento in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1037). Também podem funcionar como classificadores os nomes de parentesco3. Nestes casos, não há lugar a vírgula entre o classificador e o nome próprio.

 

Por outro lado, temos sintagmas nominais que incluem no seu interior um modificador apositivo, que constitui um comentário ou uma explicação sobre a entidade referida, como acontece em (2) e (3):

(2) «O primeiro rei da dinastia de Avis, D. João I» (a negrito, assinala-se o modificador apositivo)

(3) «D. João I, o primeiro rei da dinastia de Avis» (a negrito, assinala-se o modificador apositivo)

Estes modificadores apositivos têm a característica de serem intersubstituíveis com o nome que modificam, para além de não restringirem a significação do sintagma sobre o qual incidem, funcionamento que é assinalado pela presença de vírgulas.

Assim, se a intenção for a classificar o nome próprio «António Coelho», contribuindo para precisar a sua referência, não devemos usar vírgulas:

(4) «O diretor da Casa-Memória de Camões António Coelho refere que...»4

Se a intenção for a de esclarecer quem é o «diretor da Casa-Memória de Camões», deve usar-se um modificador apositivo, que surgirá entre vírgulas:

(5) «O diretor da Casa-Memória de Camões, António Coelho, refere que...»

 

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as gentis palavras que nos endereça.

Disponha sempre!

 

1. O termo classificador não é usado na nomenclatura gramatical do ensino básico e secundário em Portugal.

2. De acordo com esta interpretação, considera-se termo hiperónimo a expressão geral indivíduo (cf. Ibidem).

3. cf. Ibidem, p. 1041.

4. Neste caso particular, esta opção pode dificultar a interpretação devido ao encontro de dois nomes próprios (Camões  e António Coelho). Só o conhecimento do contexto de comunicação poderá indicar se este é suficientemente claro para permitir o uso do classificador. No caso de a expressão ser opaca, a opção por «António Coelho, o diretor da Casa-Memória de Camões, refere que…» será mais clara.

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