DÚVIDAS

Vírgula e complemento indireto

Tenho dúvidas quanto à necessidade de vírgula no seguinte trecho:

«Às palavras com significados iguais ou semelhantes, chamamos sinônimos.»

Ao ler «chamamos sinônimos», pergunto: "Ao que chamamos sinônimos?" e a resposta seria: «Às palavras com significados iguais ou semelhantes». Seguindo esse raciocínio, essa vírgula estaria separando um complemento e, consequentemente, estaria sendo usada de forma errada. Estou analisando corretamente? Ou não é isso?

Grata.

Resposta

Na frase «Às palavras com significados iguais ou semelhantes chamamos sinônimos», pode haver uma vírgula, porque o grupo preposicional  (GP) com a função de complemento (objeto) indireto de «chamamos» está topicalizado – isto é, foi deslocado do seu lugar habitual, que é pós-verbal (na ordem direta, «chamamos sinónimos às palavras...»).

 

Vejamos a análise sintática da frase conforme a sequência em questão: 

1. O GP  inicial é constituído por complemento indireto (que inclui um modificador restritivo do nome): «Às palavras com significados iguais ou semelhantes»

2. O verbo (chamamos)

3. O predicativo do complemento indireto («sinónimos»/«sinônimos»)1

3. O sujeito é nulo subentendido (nós).

 

Eis outros exemplos semelhantes:

1. Aos livros com imagens coloridas(,) chamamos ilustrados.

2. Ao homem que passava na rua(,) chamaram pai.

 

1 Para Epifânio da Silva Dias (Sintaxe Histórica Portuguesa, 1916), o verbo chamar, no sentido de «chamar nomes a alguém», construía-se «de ordinário com a pessoa ou cousa por compl. indireto, e o nome (ainda quando adjetivo) por compl. direto». Esta análise é hoje muito discutível, pois considera-se que o nome ou adjetivo incluídos na predicação construída por chamar constitui uma predicação secundária (cf. Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian, 20213-2020, pp. 1185-1187 e 1292 e ss.) e um caso único de  predicativo do complemento indireto (cf. C. Cunha e L. Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 147). Acresce que este predicativo selecionado por chamar pode ser introduzido pela preposição de, conforme observa  Evanildo Bechara na Moderna Gramática Portuguesa (2003): «já é muito corrente no Brasil a construção chamar de com obj. dir., contaminada de outras, como acusarargüir de».

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