Os dois auxiliares – ter e haver – são geralmente equivalentes no pretérito mais-que-perfeito, mas há diferenças de uso.
Em Portugal, só muito raramente – geralmente, em textos muito formais ou literários – se usa hoje o auxiliar haver, pois ter é o auxiliar claramente predominante no mais-que-perfeito1:
(1) Tinha-me preparado para a docência, mas de repente tive outra proposta profissional.
Também possível, mas raro e até um tanto forçado:
(2) Havia-me preparado...
Note-se, porém, que no Brasil este uso de haver parece mais frequente, pelo menos, na escrita. Assinale-se também que, no pretérito perfeito do indicativo, com valor habitual ou iterativo, é sempre ter que se usa:
(3) Ultimamente, tenho preparado muitas aulas. (e não «hei preparado...»)
Quanto à relação entre o pretérito mais-que.perfeito composto – «tinha-me preparado» – e o pretérito mais-que-perfeito simples – «preparara-me» –, diga-se que, ao contrário do galego, na atualidade esta forma simples só ocorre esporadicamente no discurso mais cuidado, tanto em Portugal como no Brasil ou outros países de língua portuguesa: «preparara-me para a docência» é, portanto, um uso correto, mas hoje sobretudo literário e formal (cf. Textos Relacionados).
Sendo assim, em relação às últimas frases apresentadas pelo docente, as formas equivalente em português de Portugal, correntes e corretas, são:
(4) Ele disse que tinha tido uma espécie de alergia na pele.
(5) A rapariga entrou e disse que tinha tido um sonho terrível.2
Como se disse, não é que em (4) e (v) sejam impossíveis o auxiliar haver e o pretérito-mais-que-perfeito simples. O que acontece, não obstante, é que estes usos são menos frequentes e dão ao discurso um toque de elaboração alheio ao auxiliar ter e ao mais-que-perfeito composto, que fazem parte da língua coloquial, do dia a dia.
1 Uma consulta da secção histórica do Corpus do Português, de Mark Davies, revela que o verbo haver, como auxiliar temporal, ocorre muito mais em textos brasileiros do que em textos de Portugal.
2 Em Portugal, é muito frequente rapariga. Todavia, no Brasil, é palavra pouco usada, e no Nordeste tem até sentido pejorativo, empregam-se outras, entre elas, moça, que ocorre igualmente em Portugal (sobretudo em modalidades regionais do centro-sul). Cf. "Rapariga – no Brasil e em Portugal".