O pretérito-mais-que-perfeito simples do indicativo, com valor de imperfeito do conjuntivo e condicional, é identificado como um dos «traços sintácticos característicos [do período pré-clássico]» (Pilar Vásquez Cuesta e Maria Albertina Mendes da Luz, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 188) da língua, em que o «português já está diferenciado do galego e que conhecemos de preferência através da prosa cultivada durante os reinados dos primeiros monarcas da Dinastia de Avis» (idem, p. 185).
A par de outros exemplos de alteração sintáctica (que por quem, nenhum por ninguém e da utilização do gerúndio), «o uso dos pretéritos mais-que-perfeitos simples do indicativo por imperfeitos do conjuntivo ou condicionais» (idem, p. 188) é citado como marca de diferença em relação ao período anterior, o que nos leva a inferir que, a partir de meados do séc. XIV, o pretérito mais-que-perfeito surge como forma verbal privilegiada usada em vez do imperfeito do conjuntivo e/ou o condicional.
Relativamente à realidade espanhola, temos informações de que, no século XV, o castelhano também passa a usar o mais-que-perfeito do indicativo com valor de imperfeito do conjuntivo e de condicional, como acontece na actualidade.1 Pode também pensar-se que em galego estaria a acontecer (acontece hoje) o mesmo que em castelhano e em português. A nossa língua é que depois divergiu, retomando ou reforçando a diferença entre o mais-que-perfeito simples do indicativo e o imperfeito do conjuntivo.
Importa salientar que o «pretérito mais-que-perfeito simples do indicativo, herdeiro directo do mais-que-perfeito do indicativo latino (lat. amaveram > amara; lat. debueramus > devêramos; lat. partiverant > partiram)» (idem, p. 406), evidencia «um dos traços mais genuínos da língua portuguesa, o seu carácter conservador, que se manifesta muito especialmente no verbo, que está mais próximo na sua configuração do verbo latino que a maior parte dos românicos», pois o português mantém praticamente a mesma forma.
Conclui-se, então, que a opção pelo pretérito mais-que-perfeito, com marcas evidentes do étimo latino, transparece o investimento na língua portuguesa, tendo como modelo a latina. A publicação, em 1540, da Gramática de Língoa Portuguesa, de João de Barros, e a da colectânea, em 1536, Gramática de Lingoagem Portuguesa, de Fernão de Oliveira, marcam os primeiros esforços dos portugueses para «elevar a língua vulgar do país à dignidade da latina» (idem, p. 186).
1 Sobre o valor de imperfeito do conjuntivo, diz David Pharies, em Historia Breve de la Lengua Española (Chicago/Londres, Chicago University Press, 2007, pág. 125): «[...] [L]e chocará al hablante del español moderno ver identificada la forma amara como pluscuamperfecto de indicativo, o sea, como equivalente de había amado, pues hoy en día, como se sabe, amara se emplea casi exclusivamente como forma del imperfecto del subjuntivo, es decir, como equivalente de amase. [...] [E]l uso indicativo de la forma perdura hasta principios del siglo XV, cuando adquiere su significado moderno.» Segue-se a tradução em português: «Chocará o falante espanhol moderno ver identificada a forma amara como mais-que-perfeito do indicativo, ou seja, como equivalente de había amado [= tinha amado], pois hoje em dia, como se sabe, amara emprega-se quase exclusivamente como forma do imperfeito do conjuntivo, isto é, como equivalente de amase [= amasse]. O uso da forma no indicativo perdura até princípios do século XV, quando adquire o seu significado moderno.»