Massaud Moisés, no seu Dicionário de Termos Literários, define a hipálage da seguinte forma:
«Constitui um expediente retórico segundo o qual um determinante (artigo, adjetivo, complemento nominal) troca o lugar que logicamente ocuparia junto de um determinado (substantivo) para associar-se a outro» .
A hipálage é uma figura de linguagem caracterizada pela atribuição de uma característica de um ser ou objeto a outro ser ou objeto que se encontra próximo ou relacionado com ele. Assim, é atribuído um adjetivo a um substantivo quando na realidade esse adjetivo se refere, lógica e naturalmente, a outro substantivo.
Este recurso tem como principal objetivo aumentar a expressividade da mensagem. São conhecidos estes exemplos:
«Fumando um pensativo cigarro.» (Os Maias, Eça de Queirós)
«O silêncio desaprovador dos meus colegas.» (A queda dum anjo, Camilo Castelo Branco)
«Sobre as aldeias tristes, sobre o silêncio humilde do fumo das lareiras...» (Manhã Submersa, Vergílio Ferreira)
Nos versos finais do poema O silêncio, «é que eu te falo das palavras/desamparadas e desertas//pelo silêncio fascinadas.», vemos que os adjetivos foram deslocados do sujeito poético para outro substantivo, as palavras. A expressividade fica potenciada pelo facto de se transpor para as palavras as características do sujeito: os seus sentimentos de desamparo e de solidão são transferidos para algo que o caracteriza e que tem o valor maior da comunicação. Elas carregam desta forma o estado de espírito do sujeito que é de pessimismo, de abandono, de deriva.
Por isso, verificamos que elas já não servem esse fim da comunicação e, no último verso, o fascínio pelo silêncio é confirmado: repare-se que a última palavra é fascinadas, o que a põe em destaque no poema, ainda mais pela inversão da ordem normal da frase (que seria fascinadas pelo silêncio).
Temos uma oposição delineada: palavras vs. silêncio, em que este, impondo-se pelo seu fascínio, anula a força da comunicação.
Assim, com o emprego da hipálage, o que se destaca é o estado angustiado/pessimista do sujeito poético, reconhecendo que as suas palavras perderam valor e resvalam para a atração do silêncio.