No verso de Álvaro de Campos «Trago o meu tédio e a minha falência fisicamente no pesar-me mais a mala» (pertencente ao poema de Álvaro de Campos “Notas sobre Tavira”) está presente uma hipálage.
A hipálage «consiste na atribuição a um objecto de uma característica que, na realidade, pertence a outro com o qual está relacionado» (Duarte in E-dicionário de termos literários). Frequentemente, a hipálage configura-se na atribuição de um adjetivo que expressa uma característica moral de um dado sujeito a um objeto. É famosa a construção queirosiana que ilustra este processo, na qual se transfere o atributo pensativo do ser para o cigarro que este fuma:
(1) «Fumando um pensativo cigarro.» (Eça de Queirós, Os Maias.)
No verso em apreço está presente a hipálage, que é construída de forma criativa. As características morais que correspondem à tristeza e à deceção sentidas pelo “eu” poético ao confrontar-se com a vila e com o eu do seu passado são expressas através dos nomes tédio e falência, que constituem um peso de consciência que o poeta transfere para a mala, afirmando que constituem o peso da própria mala. Esta construção acentua o peso que estes sentimentos têm em quem regressa, de mala na mão, e se confronta com a deceção que a própria consciência lhe oferece.
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