Consideremos a frase em análise:
«Foi a poesia, antes da psicanálise, que nos tornou conscientes desta perturbante verdade existencial (...).»
O aparente pronome relativo que, que inicia a segunda oração, faz parte de uma construção clivada¹ com o verbo ser, como forma de destacar um dos constituintes da frase, neste caso, o sujeito, e não podemos considerá-lo introdutor de uma oração subordinada relativa, de acordo com Sofia Gonçalves2:
«A solução que consistiria na identificação de clivadas com frases relativas com antecedente é de rejeitar, uma vez que a construção nem tem propriedades de relativa restritiva nem de relativa apositiva. Uma das razões principais para a não aproximação entre relativas e clivadas é que neste tipo de construções surge sempre que, independentemente das funções sintácticas/temáticas dos constituintes envolvidos.
De facto, este que pode estar associado a construções em que o constituinte focalizado tem as funções de sujeito, objecto directo ou outras; já nas orações relativas temos que (SU/OD), a quem (Ol), onde (oblíquo locativo), etc. O morfema relativo (que, quem, o que, por que) conforma-se às funções desempenhadas pelo próprio morfema.
Nas clivadas, o constituinte à esquerda de que tem funções sintácticas variadas que correspondem às diferentes funções sintácticas de um constituinte do interior da oração de que; logo, mais um argumento para não estarmos perante orações relativas. Por outro lado, nas relativas há sempre duas orações, dois predicados verbais distintos; nas clivadas, embora haja uma estrutura bi-oracional, como vimos, elas são sempre convertíveis numa só predicação.»
Assim, sem esta expressão («Foi...que»), teríamos uma frase simples: «A poesia, antes da psicanálise, tornou-nos conscientes desta perturbante verdade existencial.», o que nos permite perceber o motivo pelo qual a oração iniciada pelo que não desempenha nenhuma função sintática.
Fontes:
1 Ana Maria Brito e Inês Duarte, em M.ª Helena Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, págs. 685-694
2 Gonçalves, Sofia. 2001. Construções de "é que" em Português Europeu. Universidade do Porto: Dissertação de Mestrado.