O adjetivo simpático pode surgir em construções aplicado a entidades não humanas.
O adjetivo simpático deriva do nome simpatia e dele herda os traços semânticos que, nas aceções mais gerais, contribuem para a descrição de uma «afinidade moral, similitude no sentir e pensar que aproxima duas ou mais pessoas»1. Também pode descrever uma «impressão agradável, disposição favorável que se experimenta em relação a alguém que pouco se conhece»1 ou referir uma «pessoa que costuma ser agradável, delicada, afável»1. Podemos, assim, concluir que simpatia/simpático nas aceções denotativas previstas nos dicionários se aplica a entidades humanas.
No entanto, na língua, é possível recorrer a processos de extensão semântica, mais ou menos criativos, que permitem usos que à partida não estavam previstos. Estes procedimentos podem ocorrer, por exemplo, por meio de recursos expressivos que exploram usos criativos da linguagem. Tal pode ocorrer com o adjetivo simpático, que, por exemplo, por meio da construção de uma hipálage2, pode ser aplicado a entes não humanos. Tal acontece porque este recurso permite a transferência de uma característica humana para um animal ou objeto. Neste contexto, no Corpus do Português, de Mark Davies, na secção histórica, os usos do adjetivo simpático aplicado a diversas realidades estão bem documentados, o que mostra que nem sequer estamos perante um modismo recente:
(1) «Trazia um vestido simples, simpático, alegre, um grande avental claro – e os dentes brancos sorriam, iguais, ternos, brilhantes, na boca grande e voluptuosa da Fifi doutros tempos.» (Augusto de Castro, A Arca de Noé. 1952)
(2) «O Vitória-Bar era um recanto simpático onde se reuniam, depois dos espectáculos, papillons e coristas.» (João Gaspar Simões, Uma História de Província: Vida Conjugal. 1936)
(3) «E tudo em redor lhe parecia como mais recatado, as paredes com o seu papel de ramagens verdes, o armário cheio de louça luzidia da Vista Alegre, o simpático e bojudo pote de água, o velho piano mal firme nos seus três pés torneados […]» (Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro)
(4) «Entregue ao domínio de uma madrasta, que não desmentia, pela sua parte, a fama que de ordinário acompanha este pouco simpático nome, tivera a experimentar […].» (Júlio Dinis, As Pupilas do Senhor Reitor.)
Disponha sempre!
1. Consultámos o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
2. A hipálage é um recurso retórico que «consiste na atribuição a um objecto de uma característica que, na realidade, pertence a outro com o qual está relacionado» (Rosa Duarte in E-dicionário de termos literários).