DÚVIDAS

Os significados de putreia e de potreia
( in Aquilino Ribeiro)

Junto breve citação extraída do romance Terras do Demo, pp. 180-181, em que consta putreia:

«Ia para quatro meses que não sabia dela… é verdade. Por modos já não havia escrivães no povo! Terra de maldição! Os que aprenderam a rabiscar o nome navegavam, e o padre — esse sujaria as mãos se lhe pedissem duas regrinhas de graça. Ah! Deus tivesse na santa glória o tio Manuel Abade que não precisava que o rogassem duas vezes para escrever a um vagamundo. A malta do Rio, pelo que lhe dissera o Jaime Gaudêncio, ficava toda boa. Boa, mas o Rio já não era o Rio. O italiano e o espanhol tinham derrancado o trabalho. Depois, passagens caras e más. Viera no Malange, um mazombo de paquete que andava à tona como tubarão escaldado como abóbora. À passagem da linha, estivera a deitar a cama das tripas com o afocinhar do calhambeque. Perdesse o nome que tinha se aceitava mais algum dia viajar no francês! Uma putreia, comida para negros, beliches para condenados do Inferno. Boa Mala Real, mas para melhor o alemão. O alemão, batia a tudo o que andava no mar.» Terras do Demo, pp. 180-181

Contudo em Quando os Lobos UivamCasa do Escorpião já se lê como potreia.

Já agora, esta pequena dúvida: «comida para negros». Pretos é regionalismo para porcos. Será que Aquilino Ribeiro se referia a comida para porcos?

Aguardo o vosso comentário, sempre muito apreciado.

Resposta

Encontra-se registo das duas formas – potreia e putreia – com significados diferentes, ainda que próximos, marcando uma apreciação negativa, conforme se regista no dicionário de Caldas Aulete:

«putreia – s. f. || podridão. || O que não presta: Os aviamentos do Calhorra iam em crescendo, o que supunha maior consumo de metal verdadeiro para colorir a putreia. ( Aquilino Ribeiro, Volfrâmio, c. 5, p. 162, 4.ª ed.) [É melhor forma que potreia.] F. r. lat. Putredo (putrefação).»

«potreias. f. || (pop.) bebida desagradável, mal saborosa; especialmente vinho estragado, adulterado. || (P. ext.) Coisa ruim. Cf. putreia. F. lat. Putridus.»

Estas palavras e as suas definições são reiteradas por Elviro Rocha Gomes, Glossário Sucinto para melhor compreensão de Aquilino Ribeiro, Porto Editora, 1959):

«Putreia – mixórdia, restos de decomposição de substância orgânica.»

«Potreia — bebida estragada e de mau gosto, porcaria.»

Mais recentemente, só a forma potreia encontra entrada em dicionários tanto de Portugal como do Brasil, que consignam também a variante pótrea; e a respetiva informação etimológica indica sobretudo que é obscura a origem da palavra (cf. Priberam e Dicionário Houaiss).

Quanto ao sentido a dar a «negros», em «uma putreia, comida para negros», o mais provável é que o autor se refira literalmente a pessoas de pele escura sujeitas a maus-tratos, em situação não substancialmente diferente da dos tempos da escravatura, o que não era invulgar no contexto do colonialismo existente na época em que foi escrito o romance Terras do Demo, obra publicada em 1919.

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