Os dicionários1 registam efetivamente «mão de defunto» como «pessoa avarenta» e «pessoa azarada» e sinónimo das expressôes «mão de leitão», «mão de vaca», pão-duro.
Contudo, como bem observa o consulente, o contexto em que figura a expressão leva a inferir que não é esse o significado aí associado à expressão. Com efeito, «mão de finado» ocorre neste caso em referência a uma espécie de talismã lendário ou instrumento mágico. Trata-se de uma crença documentada na literatura popular portuguesa, tal como acontece noutras tradições orais da Europa, como observava o filólogo, etnógrafo e pedagogo Adolfo Coelho (1847-1919)1:
«Acha-se muito espalhada em Portugal e em toda a Europa românica (sem o podermos asseverar positivamente para o domínio romeno) de onde passou para a Inglaterra e Alemanha, a superstição de que uma mão de morto (em regra de um enforcado), preparada de certo modo, ardendo ou com uma vela acesa segura, serve aos ladrões para conservar no sono as pessoas cujas casas querem roubar.»
O mesmo autor menciona a expressão inglesa hand of glory, que vem a ser o mesmo que o português «mão de finado»:
«[...] a mão de glória (hand of glory), nome com que aquela mão mágica é conhecida na Inglaterra [...] é só chamada entre nós mão de defunto, de finado, ou ainda mão refinada; uma inspecção dos textos reunidos em Ducange-Henschel [glossário] e no dicionário de Littré mostraria que main-de-glore é uma alteração de mandragore, mandragora, por etimologia popular, como a de mão de finado, em mão refinada ; e que o nome de mandragora foi transferido para a mão mágica de finado»
As ocorrências de «mão de/dum/do defunto» no conto "O Solar de Montalvo", incluindo na coletânea Jardim das Tormentas (1913), de Aquilino Ribeiro, são as seguintes (mantém-se a ortografia do original):
(1) Enchendo-se de animo, saiu fóra a ver o que se passava; seus nervos vibráram, porem sua vontade resistiu como ferro. Na sala que abria para o pomar, a mão dum finado ardia numa luz resplendente e alva que cegava. E pela porta, aberta de par em par, um homem – em que reconheceu o mendigo – direito e membrudo apitava.» (p. 141)
(2) «A aia surgiu, entam, com uma luz resplendente que cegou a assembleia. Todos os olhos incidiram sobre o estranho archote e viram a mão dum finado. Era a mão dum finado branca e exangue que ardia como o sol.» (p. 159)
1 Consultaram-se o Priberam, a Infopédia, o Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, de António Morais Silva, o Dicionário Houaiss, o Dicionário de Caldas Aulete e o Dicionário Michaelis.
2 Adolfo Coelho, "O Estudo das Tradições Populares nos Países Românicos" in Obra Etnográfica I. Festas, Costumes e Outros Materiais para uma Etnologia de Portugal., p. 174. A identificação desta fonte foi facilitada pela colaboração do próprio consulente, com o qual foram trocadas mensagens a propósito deste tópico.
N. E. – Resposta atualizada em 23/04/2023.