«Dialecto beirão não é o mesmo que «s beirão». Um dialecto é uma variedade de um sistema linguístico (o sistema galego-português), ao passo que por «s beirão» se entende um tipo de articulação da sibilante surda de palavras como sair e assar, constituindo um traço característico (regionalismo) do dialecto beirão.
É difícil dizer que há um dialecto beirão com características bem marcadas. De acordo com a proposta de Lindley Cintra para a divisão dialectal do domínio galego-português (Estudos de Dialectologia Portuguesa), parte dos falares beirões — principalmente, os da Beira Alta — integra-se nos dialectos setentrionais portugueses; a maior parte dos falares da Beira Litoral e da Beira Baixa já se inclui no grupo de dialectos centro-meridionais.
Como a consulente é da Guarda, que fica na Beira Alta, penso que está sobretudo interessada em identificar os traços fonéticos que caracterizam os dialectos setentrionais portugueses. São eles, a saber (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, págs. 11-17):
a) a existência dos sons fricativos apicoalveolares [ʂ] (surdo) e [ʐ] (sonoro): seis = [ʂɐjʃ] ou [ʂɐjʂ]; passar = [pɐʂaɾ]; caça = [kaʂɐ]; cedo = [ʂedu]; casa = [kaʐɐ]; cozer = [kuʐeɾ];
b) a neutralização da diferença entre os sons [b] e [v], a favor de [b] ou, entre vogais, de [β]: vinho = [biɲu]; avô = [ɐβo];
c) a conservação da pronúncia "tch" (transcrição fonética [tʃ]) do grafema <ch>: chave = [tʃɐmaɾ]; achar = [ɐtʃaɾ];
d) a conservação dos ditongos grafados <ei> e <ou>, muitas vezes pronunciados como [ɐj] e [ɐw]: ferreiro = [ferɐjɾu]; ouro = [ɐwɾu].
A estas características poder-se-á ainda acrescentar:
e) a conservação nos dialectos setentrionais e centro-meridionais do inteiror de Portugal da vibrante múltipla apical [r] (digamos que a língua vibra), ao que parece em contraste com o litoral, onde se pronuncia uma fricativa uvular (semelhante ao r francês, mais recuado como se garganta vibrasse): carro = [karu] (Interior) vs. [kaRu] (Litoral).
As características apontadas são tendências que podem ver-se afectadas por especificidade regionais e condicionalismos socioculturais, como, por exemplo, a escolarização e o acesso à televisão e à rádio, com a conseq{#u|ü}ente exposição à norma-padrão europeia.
Julgo que na descrição dialectológica do distrito da Guarda se tem de ter em atenção que há regiões cujos falantes ainda distinguem dois tipos de "s" e de "z": passo vs. paço; coser vs. cozer. Por outro lado, a monotongação do ditongo [ɐw] em [o] é freq{#u|ü}ente: pouco, outro = [poku], [otɾu]; e a confusão entre [b] e [v] parece não se ter generalizado.