Com efeito, as frases aqui apresentadas não atualizam construções prototípicas da subordinação condicional. Não estamos, todavia, perante estruturas inaceitáveis. A situação corresponde, antes, a nosso ver, uma exploração criativa da combinação de tempos e modos verbais ao serviço das intenções do escritor.
Os casos apresentados configuram o uso da construção condicional com um valor contrafactual, ou seja, apresentam uma situação que se depreende que não teve lugar.
Tipicamente, as orações condicionais contrafactuais constroem-se com recurso ao pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo:
(1) «Se ele me tivesse telefonado, eu teria falado com ele.»
É possível também veicular este valor contrafactual por meio do recurso ao imperfeito do conjuntivo (2) ou até ao presente do indicativo (3):
(2) «Se ele me telefonasse, eu falaria com ele.»
(3) «Se o Zé é honesto, então eu sou o rei de Marrocos.»1
No entanto, como se adverte na Gramática do Português, o valor contrafactual da frase (3) obtém-se por esta ter uma intenção irónica: «a leitura contrafactual do antecedente obtém-se porque é sabido que, obviamente, o falante não é o rei de Marrocos»2.
Nas gramáticas consultadas, não se encontra previsto o uso do pretérito perfeito composto para exprimir este valor contrafactual numa construção condicional.
Não obstante, ainda na Gramática do Português pode ler-se: «É, no entanto, através da relação que se estabelece entre o tempo da oração principal e o da oração subordinada que conseguimos interpretar a factualidade da condição. Isto quer dizer que o tempo da oração principal condiciona, de facto, a interpretação»3.
Ora, se atentarmos na frase apresentada pelo consulente, aqui transcrita em (4), percebemos que o uso do pretérito perfeito composto na subordinada se combina com o do imperfeito na subordinante:
(4) «Um dos oradores do dia 21 observou que se a Inconfidência tem vencido, os cargos iam para os outros conjurados, não para o alferes.»
O imperfeito do indicativo pode ser associado a uma leitura que veicula um valor de possibilidade (modalidade epistémica), enquanto o pretérito perfeito composto do indicativo pode veicular um valor de duração. Julgo que esta associação de valores poderá justificar o facto de a frase em análise permitir uma interpretação contrafactual: uma situação com duração no passado que não se verificou.
O mesmo acontecerá na frase transcrita em (5), onde o pretérito perfeito composto do indicativo da oração subordinada é associado à forma «acabava crendo», na qual a combinação do auxiliar aspetual, conjugado no imperfeito do indicativo, à forma de gerúndio crendo associa o valor de duração ao de possibilidade.
(5) «Se o rapaz tem saído à mãe, eu acabava crendo tudo, tanto mais facilmente quando que ele parecia haver-me deixado na véspera evocava a meninice, cenas e palavras, a ida para o colégio..."
Por fim, na frase (6) este mesmo efeito parece ser conseguido com a associação do presente do indicativo do complexo verbal «pode ser» na subordinada ou da forma do condicional entenderia, na medida em que ambos veiculam o valor de possibilidade:
(6) «Se ela me tem dito simplesmente: "Vamos embora!" pode ser que eu obedecesse ou não; em todo caso, entenderia."
Note-se, porém, que encontramos construções similares às que analisamos em outros autores, como se pode observar nas frases que se seguem:
(7) «E de repente acode-lhe e consola-o esta ideia: não foi nenhum Anjo nem Pomba de Pentecostes que o salvou desta vez! Se não tem pulado tão depressa para cima da rede, como os acrobatas.. » (José Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso)
(8) «Uma verdadeira pena ter morrido tão novo... Porque ia longe, havia de ir longe... Chegava a par do Reino, apesar de ser republicano... Capaz de chegar a ministro da Coroa, apesar das ideias que professava, enquanto foi estudante... Se não tem morrido... Se não fosse o fígado atraiçoá-lo, pelo excesso de bebidas brancas...» (Tomás de Figueiredo, Noites das Oliveiras, 1965, o 1º volume de Monólogo em Elsenor – Noite das Oliveiras).
(9) «Queremos ficar a meio da tabela e evitar a descida de divisão. Se não tem sido a derrota com o Pedreiras, tínhamos feito, até agora, uma época perfeitamente normal.» ("Há espaço para todas as Modalidade". Diário de Leiria, 31/10/1997)
Estas últimas três frases têm semelhanças com as que o consulente apresenta, embora todas elas associem a estrutura negativa ao uso do pretérito perfeito composto do indicativo.
Assim, perante a situação que aqui se expõe, fica claro que se trata de um tema que merece uma investigação e análise mais alongada, que aqui não poderemos desenvolver (e que poderá até já ter constituído matéria de reflexão noutro trabalho que desconhecemos), mas que poderá trazer novas luzes sobre a interpretação das orações condicionais.
Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as palavras que nos deixa.
Disponha sempre!
1. Lobo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2021.
2. Id., Ibid.
3. Id., Ibid.