DÚVIDAS

Futuro do conjuntivo em orações adverbiais condicionais

Sei que o presente do indicativo pode também expressar ideia de futuro («Amanhã saio bem cedo» = sairei/vou sair). Mas me bateu a dúvida de se é correto usar o presente do indicativo numa frase como «se tenho tempo, vou com você ao cinema», quando se quer expressar condição no futuro – não atividade regular. O uso do futuro do subjuntivo me soa perfeito e melhor aos meus ouvidos: «se tiver tempo, vou com você ao cinema» (ou «irei», num contexto mais formal).

Dou aulas a falantes de inglês, que tendem a usar o presente do indicativo e não o futuro do subjuntivo. Acredito que minha exaustiva exposição ao inglês acabou por dificultar minha avaliação da frase.

Agradeço!

Resposta

Na secção 38.2.5.1 da Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013: 2020-2021), encontramos informação esclarecedora relativamente à questão colocada, que ajuda a consulente na explicação aos seus alunos. 

Dependendo da factualidade da proposição expressa pela oração introduzida pelo conector condicional, podemos distinguir três tipos de construções condicionais, com diferentes leituras, associadas a diferentes tempos e modos verbais: factuais, hipotéticas e contrafactuais.

Observe-se os seguintes exemplos, que mantêm a construção usada na pergunta: 

a) «Se tenho tempo, vou com você ao cinema.»/«Se tinha tempo, ia com você ao cinema.»

b) «Se tiver tempo, vou/irei com você ao cinema.»

c) «Se tivesse tido tempo, tinha/teria ido com você ao cinema.» 

Em a), temos uma interpretação factual ou real da oração condicional, isto é, «ter tempo» verifica-se ou já se verificou, interpretação que se torna mais clara em frases como «Você sabe bem que, se tenho tempo, vou com você ao cinema – é sempre assim» ou «Antes, se tinha tempo, ia com você ao cinema, mas agora, que tenho este novo emprego, não posso». Nas condicionais factuais encontramos sempre o modo indicativo

Em b), a leitura da oração condicional é hipotética, ou seja, não é certo que «ter tempo» venha a acontecer de facto, o que deixa a (não) realização da segunda oração dependente da (não) verificação do antecedente. Neste tipo de condicionais, encontramos o futuro ou o imperfeito do conjuntivo (subjuntivo).

Em c), a proposição expressa pelo antecedente é tida como contrafactual ou irreal, deduzindo-se que «ter tempo» foi algo que, de facto, não se verificou. Neste tipo de construções condicionais, encontra-se geralmente o pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo mas também é possível o uso do imperfeito do conjuntivo ou até, em casos particulares, do presente do indicativo. 

Verifica-se, portanto, que a seleção dos tempos e dos modos verbais é determinante para a interpretação das construções condicionais. Quer isto dizer que a opção que a consulente diz soar-lhe melhor é a correta, o que significa também que a sua capacidade de ajuizamento gramatical se mantém intacta, apesar da exposição ao inglês.

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