A expressão da condição permite a representação de três situações:
1 – Condicionais factuais, ou reais: Se acontece x, também acontece y. Neste caso, usam-se os tempos do modo indicativo. Na oração introduzida pela conjunção se (subordinada) usa-se o presente; na outra (subordinante) usa-se o presente, o futuro, ou o modo imperativo:
Ex.:
a) «Se vens cedo, jantas comigo» (presente + presente);
«Se vens cedo, jantarás comigo» (em desuso: presente + futuro);
b) «Se queres passar no exame, estuda» (presente + imperativo).
2 – Condicionais hipotéticas: Na hipótese de x acontecer, também acontece y. Neste caso, a subordinada tem o verbo no futuro do conjuntivo e a subordinante no presente do indicativo ou no futuro simples.
Ex.:
a) «Se vieres cedo, jantas comigo» (futuro do conjuntivo + presente do indicativo);
«Se vieres cedo, jantarás comigo» (em desuso: futuro do conjuntivo + futuro simples).
3 – Condicionais contrafactuais: Se não aconteceu x, também não aconteceu y. Representam uma situação do passado ou de um mundo imaginário onde a sua realização possa ser possível. Para serem compreendidos, os interlocutores devem ter o mesmo conhecimento quanto à possibilidade ou não de algo poder acontecer. Os tempos e modos verbais estruturam-se, em princípio, da seguinte forma:
Ex.:
a) «Se tivesses vindo cedo, tinhas jantado comigo» (p. imperfeito do conjuntivo, composto + pretérito mais que perfeito composto);
«Se tivesses vindo cedo, terias jantado comigo» (p. imperfeito do conjuntivo, composto + condicional – também chamado futuro do pretérito – composto);
b) Se viesses cedo, jantavas comigo; (p. imp. do conjuntivo + p. imp. do indicativo)
Se viesses cedo, jantarias comigo. (p. imp. do conjuntivo + condicional)
A descrição feita representa, de forma sucinta, as regras básicas de expressão da condição. Vejamos o que acontece com as frases em análise:
I – «Se tivesse acertado na lotaria, eu estava/estaria milionário.»
Nesta frase estamos perante uma condição contrafactual. X não aconteceu, por isso y também não. A subordinada tem o verbo num tempo composto (p. imperfeito do conjuntivo, composto), pelo que se esperaria que a subordinante estivesse também num tempo composto. Só que, neste caso, o uso da forma composta com o verbo estar daria frases inadequadas:
Ex.:
I.1 "Se tivesse acertado na lotaria eu 'tinha estado/ teria estado' milionário."
Para que a construção fosse correcta e mantivesse o sentido, teríamos de alterar o verbo da subordinante:
Ex.:
I.2 «Se tivesse acertado na lotaria, eu tinha ficado/ teria ficado milionário.»
A frase está, portanto, correcta.
II – «Se eu fosse a ti, eu fazia/faria os trabalhos de casa.»
Do ponto de vista estrutural, esta frase apresentaria uma condição contrafactual, pois os verbos estão nos tempos e modos previstos no exemplo b). Porém, aqui o conjuntivo não tem o seu valor absoluto, mas sim um valor modalizador. O que esta frase é, na realidade, é um conselho, ou talvez até uma ordem. Para decidirmos falta-nos o contexto situacional em que a frase se inclui. Porque é uma construção modalizada, eu não a situaria nas contrafactuais, mas nas hipotéticas, se considerarmos que se trata de um conselho, ou nas factuais se for uma ordem. Trata-se igualmente de uma frase bem construída.
As duas frases apresentadas pelo consulente são excelentes para reflectirmos um pouco na necessária flexibilidade das regras gramaticais. Acima das regras estão os falantes e a sua criatividade linguística, que lhes permite, muitas vezes intuitivamente, dar a volta necessária à regra para que a língua prevaleça bela, livre e bem formada.