As orações subordinadas não finitas participais (doravante, orações participiais) seguem um conjunto de regras de concordância que importa rever para analisar as situações apresentadas pela consulente.
Para proceder a esta análise, deve considerar-se a frase ativa com a qual se relaciona a oração participial e o tipo de verbo presente na oração participial.
I. Orações participiais com verbos transitivos
A frase ativa em (1) relaciona-se com as orações participiais (2) e (3), mas não com a (4):
(1) «A rapariga ofereceu três livros.»
(2) «Oferecidos pela rapariga, os três livros foram catalogados.»
(3) «Oferecidos os três livros, a rapariga sentiu-se feliz.»
(4) «*Oferecida a rapariga, os três livros foram catalogados1.»
Na frase (1), «a rapariga» é sujeito e «três livros» complemento direto. Na transformação da frase ativa numa oração participial, quando o verbo é transitivo, verificamos o seguinte:
(i) o constituinte com função de complemento direto
a. determina a concordância em género e número do particípio (cf. (2) e (3));
b. pode surgir no interior da oração participial (cf. (3));
c. pode ser sujeito da oração subordinante (cf. (2));
(ii) o constituinte com função de sujeito
a. não determina a concordância do particípio do verbo (cf. (2) e (3));
b. não pode ocorrer dentro da oração participial (cf. (4)).
II. Orações participais com verbos inacusativos:
Os verbos inacusativos são um tipo de verbo intransitivo que permite formar uma oração participial2.
A frase ativa (5) relaciona-se com as orações participiais (6) e (7):
(5) «Os erros desapareceram do documento.»
(6) «Desaparecidos os erros, o trabalho pôde continuar.»
(7) «Desaparecidos, os erros não foram mais motivo de atenção.»
Neste caso, estamos perante um verbo inacusativo, o verbo desaparecer, que tem como sujeito «os erros», o que permite concluir que, quando o verbo é inacusativo,
(iii) o constituinte com a função de sujeito
a. determina a concordância em género e número com o particípio (cf. (6) e (7));
b. pode ocorrer no interior da oração participial (cf. (6)).
Atentemos, agora, nas frases apresentadas pela consulente. Na frase (8), existe concordância entre o particípio e «aquela mulher», porque este constituinte é complemento direto do verbo transitivo atropelar, como se verifica em (9):
(8) «Atropelada pelo carro, aquela mulher caiu ao chão.»
(9) «O carro atropelou aquela mulher.»
Na frase (10), o verbo inacusativo chegar tem como sujeito «Os colegas», como se verifica na frase (11), pelo que o particípio concorda com este constituinte:
(10) «Chegados a casa, os colegas começaram a ajudar a Ana a preparar a festa.»
(11) «Os colegas chegaram a casa.»
Para além destas situações mais comuns, é possível, como afirma Maria Lobo, identificar «situações em que o sujeito omisso tem uma referência distinta da do sujeito da oração principal» (Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2039). Parece ser essa a situação presente na frase (12), na qual o particípio conferidos tem como sujeito correferente o constituinte «nos dados».
(12) «Conferidos por duas pessoas, não deve haver mais erros nos dados.»
Note-se que esta frase evoca a frase ativa em (13), na qual o constituinte «os dados» é complemento direto:
(13) «Duas pessoas conferiram os dados.»
A frase (14), por seu turno, só será possível se o constituinte «a Ana» for o sujeito do verbo inacusativo chegar (como em (15)), o que levará o particípio a concordar com este constituinte.
(14) «Chegada a casa, os colegas começaram a ajudar a Ana a preparar a festa.»
(15) «A Ana chegou a casa.»
Note-se, todavia, que esta frase tem uma sintaxe enviesada, pelo que poderá oferecer dificuldades de interpretação, sendo preferível uma formulação mais transparente como:
(16) «Chegada a casa, a Ana viu que os colegas se preparavam para a ajudar a preparar a festa.»
Disponha sempre!
*assinala a impossibilidade da frase no contexto em análise.
1. Esta oração participial relacionar-se-á com a frase ativa «Alguém ofereceu a rapariga.»
2. Note-se que há verbo intransitivos que não permitem a formação de orações participais, como acontece, por exemplo, com o verbo tossir: «O João tossiu.» - «*Tossido o João». Estes verbos designam-se inergativos.