A função da segunda oração – «que queria...» – é a de sujeito de «parecia».
Frases como esta, em que o verbo parecer ocorre entre um grupo nominal (aparentemente o seu sujeito) e uma oração subordinada substantiva completiva («que queria…»), levantam alguns problemas de análise.
Do ponto de vista tradicional, a frase «a tempestade parecia que queria destruir o mundo» é constituída por três orações, conforme o seguinte esquema:
A – «[A tempestade] parecia»
B – «que queria»
C – «destruir o mundo»
Contudo, na frase em apreço, o grupo nominal «a tempestade» não é sujeito do verbo parecer, o que se evidencia quando se coloca tempestade no plural:
*«As tempestades pareciam que queriam destruir o mundo.»
Note-se que na frase acima o verbo parecer não concorda com «as tempestades»1. É verdade que, em «a tempestade parecia…», a posição à esquerda de «parecia» aparece ocupada por «a tempestade», como se este constituinte fosse sujeito da forma verbal. Contudo, numa análise mais profunda, a contiguidade com «parecia» não evidencia que «a tempestade» seja o sujeito correspondente; trata-se antes do sujeito de «queria», que foi deslocado para o começo da frase. Ou seja, a oração subordinada completiva «que queria…» deve ser entendida como «que (a tempestade) queria destruir o mundo».
Nesta linha de análise, defende a Gramática da Língua Portuguesa, Mateus e outras, pág. 634) que o verbo parecer não tem argumento externo2 que possa realizar o sujeito. Quando ocorre com uma completiva de infinitivo – por exemplo, «a tempestade parecia querer destruir o mundo» –, o sujeito da oração completiva «querer destruir o mundo» ocorre como sujeito do verbo parecer, que é elemento subordinante, e esta estrutura chama-se estrutura de elevação. Todavia, não há estrutura de elevação, quando a completiva de parecer é conjuncional, como é o caso – «que (a tempestade) queria…»: aqui, o grupo nominal deslocado não é sujeito de «parecia»; na verdade, considera-se que, se se encontra à cabeça da frase, é porque constitui um tópico marcado, sendo a frase interpretável como «sobre a tempestade, parece que [ela] queria…» (cf. resposta “Verbos de elevação”).
Nesta perspetiva, temos, portanto:
1 – Uma oração/elemento subordinante: «parecia»
2 – Um elemento subordinado: «que [a tempestade] queria destruir o mundo»
O elemento subordinado em 2 também se desdobra, porque inclui uma oração subordinada substantiva completiva não finita de infinitivo cujo elemento subordinante é «queria»:
2.1 que [a tempestade] queria
2.2 destruir o mundo
Quanto à função sintática desempenhada pela completiva de parecer – seja esta não finita ou finita –, a descrição linguística atribui-lhe geralmente a função de sujeito (sobre esta questão, ver, nas Controvérsias, “Parece-me que + complemento direto ou sujeito?”.
1 Afigura-se consensual a agramaticalidade de frases como «as tempestades pareciam que queriam…» em gramáticas elaboradas em Portugal que adotam total ou parcialmente princípios teóricos e metodológicos da linguística contemporânea. No entanto, em estudos que descrevem o português do Brasil, aceitam-se como gramaticais frases em que parecer seleciona uma completiva conjuncional (finita) ao mesmo tempo que concorda com o grupo nominal à esquerda: «As tempestades pareciam que queriam destruir o mundo.»*
2 Nos estudos linguísticos, diz-se que um verbo tem argumentos, sendo estes «expressões que identificam as entidades a que se aplica uma propriedade ou entre as quais é estabelecida uma relação.» (João Andrade Peres e Telmo Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa , Editorial Caminho, 1995, pág. 23). Por argumento externo entende-se um grupo nominal que geralmente tem a função de sujeito na frase. Numa frase como «a chuva molhou o chão», diz-se que «a chuva» é o argumento externo, ou seja, é «[...] aquele que se realiza tipicamente fora do sintagma de que o predicado é núcleo, ou seja, é o argumento que se realiza geralmente como sujeito.» (pág. 25). Sobre a estrutura argumental do verbo parecer, ver Francisco Fernandes, Dicionário de Verbos e Regimes e a Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (pp. 1313).
*N. E. (3/07/2017) – Trata-se de um uso que se atesta apenas em certos registos do português do Brasil, como sugere o tom coloquial de alguns exemplos, como acontece numa peça de Gastão Tojeiro (1880-1965), autor enquadrável no chamado teatro ligeiro ou popular: «Pelo jeito, parecem que já levam a sua conta.» (Gastão Tojeiro, O Simpático Jeremias, 1918). Sobre esta possibilidade, consultar a tese de Fernando Pimentel Henriques, Construções com Verbos de Alçamento que Selecionam um Complemento Oracional: Uma Análise Comparativa do Português Brasileiro e do Português Europeu, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013, pág. 96.