Tanto a anástrofe como o hipérbato e o anacoluto são, segundo João David Pinto Correia, em «A expressividade na fala e na escrita» (in Falar melhor, Escrever melhor, 1.ª ed., Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1991, pp. 497-497), figuras de expressividade (de retórica ou de estilo), incluídas nas «figuras de construção por mudança (ou deslocação), caraterizando-se o hipérbato por uma «mudança violenta na ordem directa da palavras numa frase»: «Contra o tão raro em gente Lusitano» (Os Lusíadas, III, 34).
Por sua vez, Carlos Ceia, no E-Dicionário de Termos Literários, define a anástrofe como «inversão, geralmente violenta, da ordem natural das palavras numa frase, para obter determinado efeito estilístico», razão pela qual considera que «a anástrofe partilha com o hipérbato apenas o movimento de troca da ordem normal dos termos numa frase. Tem por isso maior número de possibilidades de aplicação». Acrescenta, também, que «a anástrofe, se for muito violenta, toma o nome de sínquise, figura que ocorre com frequência em Camões, contribuindo para afinar o estilo do poeta: “A ira com que súbito alterado / O coração dos Deuses foi num ponto” (Os Lusíadas, VI, 34)».
Por outro lado, e apesar de afirmarem que, «em sentido corrente, hipérbato é termo genérico para designar toda a inversão da ordem natural das palavras na oração, ou da ordem das orações no período, com finalidade expressiva», Cunha e Cintra, quando se referem às figuras da sintaxe, na sua Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Sá da Costa, 2001, pp. 613-627), distinguem hipérbato [«do grego hyperbaton, “inversão”, “transposição”» (idem, p. 620)] de anátrofe [«do grego anastrophé, “mudança de posição”, “inversão”, “transposição”» (p. 621)] e de anacoluto, indicando as respetivas particularidades a nível da mudança dentro da construção sintática.
Assim, o hipérbato carateriza-se pela «separação de palavras que pertencem ao mesmo sintagma, pela intercalação de um membro frásico [ex.: «Essas que ao vento vêm / Belas chuvas de junho!» (Joaquim Cardoso, Signo Estrelado, 16); «Que arcanjo teus sonhos veio / Velar, maternos, um dia?» (F. Pessoa, Obra Poética, 11); a anástrofe, como «tipo de inversão que consiste na anteposição do determinante (preposição + substantivo/nome) ao determinado [«Vingai a pátria ou valentes / Da pátria tombai no chão!» (Fagundes Varela, Poesias Completas, 159); «Mas esse astro que fulgente / Das águias brilhara à frente, / Do Capitólio baixou» (Soares dos Passos, Poesia, 91-92), e o anacoluto enquanto «mudança de construção sintática no meio do enunciado, geralmente depois de uma pausa sensível [«No berço, pendente dos ramos floridos, / Em que eu pequenino feliz dormitava:/ Quem é que esse berço com todo o cuidado / Cantando cantigas alegre embalava?» (Casimiro de Abreu, Obras, 78); «Umas carabinas que guardava atrás do guarda-roupa, a gente brincava com elas, de tão imprestáveis» (José Lins do Rego, Menino de Engenho, 136)].
Portanto, se tivermos como referência estas últimas definições, poderemos dizer que, nos dois versos transcritos de Ricardo Reis, está presente o hipérbato, pois estamos perante um caso de «separação de palavras [«Rosas… dos jardins de Adónis» e «Essas volucres… rosas»] que pertencem ao mesmo sintagma, pela intercalação de um membro frásico [«amo» e «amo, Lídia»]:
Rosas amo dos jardins de Adónis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas»