Na frase que nos apresenta — «As pernas parecia que tinham desaprendido de andar» — verifica-se que há uma «interrupção violenta ou progressão inconsistente da sequência lógica de uma frase, que continua ou finaliza em termos substancialmente diferentes do seu início», (E-Dicionário de Termos Literários) porque «parecia» interrompe a sequência lógica iniciada pela expressão «as pernas». Trata-se, portanto, de um caso de anacoluto.
Repare-se que a sequência lógica da frase implicaria a relação coerente entre sujeito e predicado, e, aqui, «parecia» não é o predicado de «as pernas». Se colocarmos correctamente a frase iniciada por «as pernas», ficaria «As pernas tinham desaprendido a andar». Mas o sentido da frase não é esse. Será «Parecia que as pernas tinham desaprendido a andar». Encontramo-nos, assim, perante uma frase que foi quebrada, razão pela qual também se chama ao anacoluto, também, frase quebrada.
Relativamente à hipótese da presença de hipérbato, é de referir que, segundo João David Pinto Correia, em «A expressividade na fala e na escrita» (in Falar melhor, Escrever melhor, 1.ª ed., Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1991, pp. 497-497), tanto o anacoluto como o hipérbato são figuras de expressividade (de retórica ou de estilo), incluídas nas «figuras de construção por mudança (ou deslocação). Mas enquanto no anacoluto se trata «de um processo no qual a frase se nos apresenta desprovida de coerência sintáctica, por o falante adoptar, no desenvolvimento do discurso, uma construção concordante com a sua mudança de pensamento mais do que os usos gramaticais» (idem), em que se verifica uma «frase quebrada, mudada a concordância inicial em outra diversa» (idem) — por exemplo, «Este povo, que é meu, por quem derramo / […] / Por ele a ti rogando, choro e bramo» (Os Lusíadas, II, 40) —, já o hipérbato se caracteriza por uma «mudança violenta na ordem directa da palavras numa frase»: «Contra o tão raro em gente Lusitano» (Os Lusíadas, III, 34).